Uma prisão com paredes de outra cor

Opinião | Filipe Pires

Hoje em dia há cada vez mais stress no dia a dia, as pessoas têm mais preocupações, mais trabalho e cada vez menos tempo. Até em casa, no chamado tempo livre, o trabalho persegue as pessoas. A internet permitiu que o trabalho nos seguisse como um cão de caça atrás da presa. No entanto nem tudo é mau. O que permite ao trabalho seguir-nos também nos dá uma maneira de fugir. O real problema está aí, na fuga. Quando a fuga se torna uma prisão, o que é que se pode fazer?

O vício dos videojogos é reconhecido como doença pela OMS desde 2018. Foto: Pablo by Buffer

Atualmente cada vez há mais jogos, mais redes sociais, mais plataformas de streaming para todo o tipo de conteúdo. Quando alguém sente que está prestes a desabar por causa do trabalho, que o mundo inteiro está às suas costas, como se fosse Atlas, é apenas natural procurar uma forma de se distrair, de fugir do real e saltar no imaginário sem qualquer tipo de preocupação. A vontade de saltar da sua vida chata e pacata, acorrentada pela rotina e rodeada de problemas inacabáveis, como se de um mar de sombra se tratasse, e começar a viver uma nova vida talvez como um herói de banda desenhada ou um agricultor que cuida dos seus animais de forma alegre. Para isso existem os videojogos, incessantes fontes de entretenimento, com as histórias mais incríveis que a imaginação pode conceber. Mas nem tudo são rosas, afinal os videojogos trazem consigo um grande problema, eles podem viciar.

O vício, qualquer que seja, é nocivo. O vício em tabaco, álcool ou drogas pode resultar em graves problemas de saúde, às vezes físicas, às vezes mental, muitas vezes ambos. O problema do vício dos videojogos é que estes prendem sem a pessoa se aperceber de que está presa, porque é divertido. Muitos seguem a linha de pensamento de “se isto me diverte, e não magoa o meu corpo, como é que me faz mal?”, mas aí nasce o problema, nem todos os males são visíveis, às vezes eles escondem-se com máscaras douradas de diversão e bem-estar, como a calmaria antes da tempestade ou o silêncio antes da bomba explodir. 

Muitas pessoas refugiam-se nos videojogos e nem todos estão viciados, eles são um ótimo refúgio. Há videojogos variadíssimos, como, por exemplo,
Stardew Valley
, onde o jogador acabou de se mudar pra quinta do seu avô num vale com uma pequena comunidade. O jogador tem como objetivo reconstruir a quinta para que este volte à sua glória passada enquanto conhece os personagens da cidade. Esta é uma menção de milhões que poderia fazer, escolhi-a por ser algo que eu próprio uso para me distrair quando me sinto mal. 

A questão é, eu só me sinto bem se jogar? Não, eu consigo sentir-me bem sem isso, mas muitas pessoas que procuram refúgio nos videojogos acabam por se tornar os seus prisioneiros, não encontram bem-estar em mais lugar nenhum e por isso param de interagir com as pessoas, começam a isolar-se, algumas chegam mesmo a abandonar a sua higiene ou saúde. 

O problema é tão real que em 2018 a Organização Mundial da Saúde reconheceu o vício em videojogos como uma doença e esta foi adicionada à lista de perturbação mentais na décima primeira revisão da classificação internacional de doenças (ICD-11). Não há problema em procurar refúgio nos videojogos, mas devemos ter cuidado para este refúgio não ser só uma prisão com paredes de outra cor.

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