“Nayola”, de José Miguel Ribeiro. Primeira longa-metragem de animação portuguesa nos cinemas mostra a guerra civil de Angola na perspetiva das mulheres

Marta Santos, Lara Paulino e Eva Mendonça

“Ninguém volta da guerra”. São as palavras de uma das personagens principais em “Nayola”, do realizador José Miguel Ribeiro com argumento de Virgílio Almeida. A primeira longa-metragem portuguesa de animação foi exibida numa sessão especial para estudantes no cinema do Fórum Algarve, a 21 de abril.

“Nayola” é baseado na peça de teatro “A caixa preta”, da autoria de Eduardo Agualusa e Mia Couto, criada em 2010. A peça, por sua vez, foi inspirada no conto “Eles não são como nós”, escrito por Agualusa em 1999. O filme foi selecionado para 26 festivais em 2022, onde ganhou 12 prémios. Já em 2023, obteve mais 4 nomeações. 

Estamos em Angola, durante a guerra civil, numa perspetiva feminina que varia entre três gerações: a avó, Lelena, a mãe, Nayola, e a sua filha, Yara. A narrativa começa com Nayola em busca do seu marido desaparecido em combate. Logo depois, somos lançados para o presente. A guerra já terminou e é na pele de Yara, que canta pelos seus direitos e os do seu povo, que experienciamos a perspetiva de uma filha que perdeu ambos os pais. Restam-lhe a avó, um diário da sua mãe e força para lutar. As três personagens possuem sonhos, desejos e segredos que nos são revelados durante o filme. Através do ponto de vista destas três mulheres da mesma família, mas de diferentes gerações, e do impacto que a guerra teve nelas, José Miguel Ribeiro consegue transmitir as consequências de uma guerra de onde não se volta. 
A longa-metragem demorou 9 anos a ser realizada e passou por um longo processo de pesquisa.

A técnica do paralelismo é utilizada para mudar entre dois tempos narrativos, separados por 14 anos. Para tornar esse paralelismo mais evidente são utilizados diferentes estilos gráficos. Os detalhes, as cores, os visuais e os ritmos de Angola do passado são representados em 2D, o presente, através de uma animação mix 2D e 3D. O realizador, que recorreu também a imagens de arquivo, afirma que foi uma escolha delicada, pois era preciso criar e manter um código visual para não correr o risco de se tornarem dois filmes em paralelo. 

De dimensão internacional, a produção e pós-produção de "Nayola" envolveu 5 países: Portugal, Bélgica, França, Holanda e Angola. A equipa técnica deslocou-se várias vezes a Angola, onde gravou todas as vozes das personagens.

José Miguel Ribeiro, Catarina Gil, assistente de realização, e a rapper Medusa MC, que deu voz à personagem Yara,  estiveram presentes na sessão de apresentação do filme em Faro, que incluiu uma masterclass e esclarecimento de questões por parte dos estudantes de Ciências da Comunicação.

A rapper angolana Medusa deu voz à personagem Yara.

"Nayola" levou 9 anos a ser concluído. "Tentei sempre evitar fazer um filme que pudesse ser acusado de ser superficial", menciona José Miguel Ribeiro, que procurou pesquisar muito sobre o tema para produzir um filme realista. “Aprendi muito neste filme”, diz. O realizador sugere também a leitura de dois livros sobre perspetivas femininas na guerra: “Combater duas vezes”, de Margarida Paredes, e “The Unwomanly Face of War”, de Svetlana Alexievich.

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