O 2º Congresso da Rede Nacional de Estudos Culturais, que decorreu a 27 e 28 de abril na Universidade do Algarve, teve como foco a Cidadania Digital e Culturas Contemporâneas. O Olhares Académicos acompanhou o arranque dos trabalhos e uma das sessões da primeira manhã, dedicada às relações que se podem estabelecer entre arte e cidadania.
A comunicação "Cidadania digital e cultura de protesto", apresentada por Tânia Machonisse, deu o mote à sessão. A docente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro abordou a importância dos meios digitais na prática de ações culturais e ativistas, bem como fortalecimento da cultura de protesto.
A docente e investigadora destacou que a internet e as redes sociais são ferramentas poderosas para a difusão de informações e ideias, e que têm sido fundamentais na organização de movimentos sociais e manifestações populares em todo o mundo. Realçando o papel da música como forma de expressão cultural e de protesto, citou o rapper moçambicano, recentemente falecido, Azagaia, como um exemplo da forma como a música pode ser um meio de consciencialização e mobilização social.
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A UAlg acolheu a segunda edição do congresso RNEC, da Rede Nacional em Estudos Culturais |
Tânia Machonisse ainda abordou a importância da educação digital para uma cidadania mais consciente e responsável na era da informação. Enfatizou a necessidade de ensinar os jovens a usar as ferramentas digitais de forma ética e crítica, promovendo o pensamento reflexivo e o diálogo saudável.
Sílvia Viegas, professora da Universidade do Algarve e membro do CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação, trouxe à sessão o projeto Refugi’Arte: refugiados, habitação e direito à cidade, que permitiu discutir diversos tópicos relacionados com a habitação e integração de refugiados nas cidades, bem como os desafios enfrentados por esta população. A investigadora começou por questionar que tipo de espaço pode ser criado para tornar mais inclusiva a presença de refugiados nas cidades, destacando a importância do trabalho com as comunidades para que os refugiados se sintam representados e integrados. Citou as dificuldades que tem testemunhado em Lisboa, como, por exemplo, o medo que as pessoas têm de perder os apoios, o que as leva a que não reportarem as situações em que se encontram, que por vezes, são precárias e inaceitáveis. Em relação à habitação, a palestrante destacou que, desde o 25 de abril, nunca houve tanto investimento público em habitação. Sílvia Viegas também alertou para a crise habitacional que atinge as cidades e a importância do poder reivindicativo e político do povo para pressionar os poderes vigentes a investirem mais nessa área.
Sobre a integração dos refugiados, a arquiteta de formação destacou a criminalização e marginalização desta população, bem como a disparidade na recepção de refugiados de diferentes nacionalidades, como ucranianos e africanos, enfatizando a necessidade de políticas públicas inclusivas que levem em consideração as diferentes necessidades desses grupos.
Filomena Serra, do Instituto de História Contemporânea, da Universidade Nova de Lisboa, apresentou o trabalho "O artista desprovido de mãos? As artes contemporâneas na 'sociedade de transparência'", no âmbito do qual abordou vários tópicos relacionados com as artes digitais, expressando o seu desafio pessoal em abordar esse campo devido à falta de familiaridade com estes novos meios. Na sua perspetiva, a tecnologia digital é uma moeda de duas faces, sendo a negatividade a sua maior característica. Embora possa parecer um espaço de liberdade em termos de acesso, arquivo e compartilhamento, o uso dessas tecnologias também pode ser acompanhado de vigilância voluntária. Serra constata que “só seremos contemporâneos quando nos distanciarmos do momento em que estamos”.
Os conceitos de liberdade e democracia também foram abordados, com Filomena Serra a argumentar que ambos foram pervertidos neste novo paradigma. A investigadora partilhou a sua experiência na Bienal de Veneza 2022, da qual destacou as exposições "The Milk of Dreams", de Leanora Carrington, e "Leaping into the Metaverse", e mencionou a robô artista AI-DA, a primeira fusão entre eletrónica e inteligência artificial, explorando a interface entre a experiência humana e a IA.
A palestrante expressou sua preocupação com a atual ausência de artistas, já que parece que a arte contemporânea, como a conhecíamos, está completamente posta em causa. Refere a ligação entre obras de arte e os NFTs, questionando assim o valor humano e o papel do corpo e da memória nesta nova era.
A seu ver, o rosto humano desapareceu, foi substituído por uma face sem a aura do olhar, e o olhar da máquina não pode ser considerado o mesmo. “O rosto humano tornou-se numa mercadoria e transformado em informação e dados”, afirmou. Por fim, a investigadora concluiu que as pessoas deixaram de trabalhar com as mãos, reduzindo sua atividade para apenas dois dedos, em contraposição à necessidade de tocar e sentir a arte.
Na comunicação "Multimedia Art and Digital Culture at Times of Surveillance: Two Works by Laurie Anderson", Susana Araújo, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e da Universidade de Lisboa, debruçou-se sobre duas obras da realizadora norte-americana, abordando a forma como a arte multimédia e a própria cultura digital podem funcionar como mediador artístico, e ainda conseguir uma ótica crítica, mesmo que numa época de vigilância excessiva.
Aberto o debate, a moderadora da sessão, Patrícia Dourado, referiu-se à sua experiência de adaptação a Portugal, questionando Sílvia Viegas sobre se o ativismo, protestos e políticas têm efetivamente ajudado na questão das habitação e como poderá este problema ser resolvido. “Não lhe sei dar uma resposta, mas só posso dizer que nunca tivemos tanto investimento público para abater esta desigualdade. Se não conseguirmos responder agora, quando é que o poderemos fazer? Nunca houve tanta mobilização social a ser ouvido pela esfera política”, respondeu Sílvia Viegas.
A discussão centrou-se então na reflexão sobre criatividade. Filomena Serra, À questão “onde se situa a criatividade na produção artística?”, Filomena Serra respondeu: “eu penso que tudo o que é humano é criatividade. A criação de máquinas tem um propósito, tem um mote de criatividade. A questão que fica é se essa máquina pode ser criativa”.
O 2.º Congresso da Rede Nacional em Estudos Culturais foi organizado pelo CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação e pela Escola Superior de Educação e Comunicação da Universidade do Algarve. A próxima edição realizar-se-á em 2024 no Porto.
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