O efeito da invasão da Ucrânia pela Rússia nos videojogos competitivos

O pano da guerra caiu na Europa há pouco mais de um mês. Os efeitos sociais, económicos e políticos da invasão da Ucrânia pela Rússia são, a uma escala global, imensuráveis. No que toca a desportos mais tradicionais, FIFA e a UEFA proibiram a participação de clubes russos nas suas competições. Nos desportos eletrónicos, comumente esquecidos, também houve resposta. Mas qual? 
Por Diogo Santos

Depois de, no dia 21 de fevereiro, reconhecer a independência das repúblicas de Donetsk e Luhansk, o presidente da Rússia Vladimir Putin lançou as suas tropas na Ucrânia numa “operação militar especial” no dia 24 de fevereiro. Visava a “desmilitarização e desnazificação” do país, ao reconhecer o direito de autodeterminação dos ucranianos.

A resposta da comunidade internacional foi imediata e clara: à exceção de algumas nações ainda aliadas à Rússia e que ainda não comentaram ou culparam a Ucrânia/NATO, a invasão foi largamente condenada e o mundo introduziu inúmeras sanções à Rússia. Segundo a Yale School of Managament, mais de 450 empresas anunciaram a sua retirada da Rússia.

Dessas 450, dezenas encontram-se no setor dos videojogos competitivos. Os esports, como são tipicamente referidos, são uma indústria relativamente jovem. Apesar de já entre 1972 e 1989 existirem competições, a forma atual dos esports apenas surgiu a partir 1990, com jogos como Street Fighter, StarCraft, Counter-Strike e muitos mais a abrir caminho para a indústria. Hoje, os esports são liderados por jogos como, entre muitos outros, CS:GO, League of Legends, Dota 2. É um setor do mercado que emprega milhares de pessoas. Em 2021, de acordo com o Statista, o lucro mundial dos esports totalizou mais de 1084 milhões de dólares. Fora isso, é um espaço cada vez mais aceite e explorado por empresários, produções televisivas e até marcas não-endémicas.

LANXESS Arena, casa de torneios como o ESL One Cologne, torneio de CS:GO (Foto: ESL)

As notícias surgiram todas ao fim da primeira semana da invasão. Uma das primeiras, também das mais dramáticas, foi a do corte de relações da Natus Vincere, ou NAVI. Conhecida por ser uma das maiores organizações do leste europeu, assim como a maior na Ucrânia, a NAVI cortou no dia 1 de março relações com a ESFORCE Holding, um conglomerado de esports que é ainda dono da Virtus.pro, uma organização russa de esports, e ainda da organizadora de eventos EPICENTER.

A ESFORCE Holding é controlada pelo VK, uma empresa de internet que já contou com investimentos do governo russo, da seguradora da Gazprom—empresa de gás detida pelo governo russo—e de Alisher Usmanov, oligarca russo.

Quatro outras grandes organizadoras de torneio tomaram ação. A ESL, Eletronic Sports League, proibiu todas as organizações com ligações ao governo russo de participarem nos seus torneios. Os jogadores podem, no entanto, jogar sob um nome neutro sem representar o seu país, organização ou os respetivos patrocinadores. Isto afetou a já referida Virtus.pro, bem como a Gambit. Estes últimos são indiretamente controlados por Vladimir Yevtushkenkov, um oligarca russo que preside a empresa Sistema.

A Elisa Esports tomou ações iguais. A BLAST foi um passo além das ações da ESL e Elisa, proibindo a participação de todos os jogadores russos. A WePlay, organizadora ucraniana, cessou qualquer parceria com empresas russas.

Como consequência destas ações, as equipas da Virtus.pro e Gambit a participar em torneios das organizadoras referidas estão atualmente a jogar sem bandeira, com um nome e logótipo independente.

Noutros jogos, como o FIFA ou o Apex Legends, as decisões não são diferentes. A Eletronic Arts, criadora de ambos jogos e organizadora dos seus torneios, tomou publicamente o lado da Ucrânia e tornou todos os jogadores e equipas russos ou bielorrussos inelegíveis para participar nas competições da Apex Legends Global Series e na FIFA Global Series.

As respostas dos jogadores

Não foram só as organizadoras a resistir às ações russas. Oleksandr “s1mple” Kostyliev é um jogador de CS:GO pela NAVI. É, pelo público geral, considerado um dos melhores jogadores de sempre na modalidade, sendo uma cara do CS:GO pelo mundo e, sobretudo, pela Ucrânia.

Minutos depois do rebentar da guerra, uma publicação de Kostyliev dizia “Por favor, por favor, parem, não consigo aguentar mais isto, precisamos todos de paz”. Algumas horas depois, já no final do dia 24 de fevereiro, o jogador revelou não estar em casa em Kyiv, mas que desejava poder lá estar com os seus amigos e família.

Kostyliev estava na Polónia, a preparar-se para jogar o IEM Katowice 2022, uma das maiores competições do ano. Antes do seu começo, o ucraniano deu um pequeno discurso de dois minutos que terminou com toda a Spodek Arena a aplaudir, onde deixou uma mensagem clara:

“Os esports estão fora da política. Todos nós jogadores, de diferentes equipas, e todos vocês, não têm nada a ver com decisões governamentais”, disse Kostyliev. “Toda a minha carreira, joguei com jogadores russos, joguei com jogadores ucranianos, joguei com jogadores americanos. Todos eles são ótimas pessoas”, afirmou. “Todos nós queremos paz para a Ucrânia e para todo o mundo. Estamos todos assustados”, admitiu o jogador. “E todos nós precisamos de ser o exemplo neste torneio, para todo o mundo. Temos de ficar juntos como uma unidade. E… temos todos de nos manter humanos primeiro.”

As poderosas palavras de um dos milhares afetados pela guerra

No entanto, não foram apenas os ucranianos a responder. A Team Spirit, uma organização russa que foi campeã mundial de Dota 2 em 2021, também reagiu.

Os Team Spirit venceram o torneio de Dota 2 The International em outubro de 2021, completando uma das vitórias mais poéticas na história do torneio. Apesar de nenhum dos jogadores ser russo, Vladimir Putin dedicou algumas palavras à equipa através do website do Kremlin a celebrar a vitória dos Team Spirit, que lhes valeu mais de 18 milhões de dólares.

Nem as palavras de Vladimir Putin impediram os Team Spirit. Apesar dos jogadores serem de vários países ilesos pela guerra, tomaram o palco de um torneio mundial no Dubai com várias blusas brancas que continham apenas uma palavra: “Paz.”


Nem todos os russos aprovam da guerra (Foto: Team Spirit)




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