Mulheres que respiram mar

De uma forma geral, os dias para Carla Sequeira, agente de primeira classe da Policia Marítima, são sempre diferentes. Entra ao serviço de manhã cedo na Baía da Horta, no Faial, passa pela parte burocrática de entrada ao serviço, vê se o trabalho que lhe é pedido para aquele dia é mais direcionado para a pesca ou para o recreio. Quando existe algum abastecimento de yachts que vêm das Américas para realizar, está lá presente para confirmar que as normas de abastecimento são respeitadas. Quando decorrem passeios de observação de cetáceos, verifica se as normas de observação e de aproximação das embarcações são respeitadas. Basta que decorra um evento, uma regata, um pedido de socorro e a sua rotina muda por completo.
Carla Sequeira numa das suas missões

O interesse pela vida militar e o gosto pelo mar

Carla tem 40 anos e é natural do Montijo. Desde pequena que a vida militar e o mar lhe suscitam interesse. A primeira, por estar habituada a regras e disciplina em casa e, ao mesmo tempo, por fazer ginástica desde os 8 anos de idade. O mar, por desde sempre ter estado ligada a pessoas que o têm como meio de subsistência. Sempre fez parte da associação de pescadores. Por vezes, nas marchas populares que esta colectividade organizava, as meninas tinham que se vestir como pescadores, por não existirem muitos rapazes que quisessem participar. O gosto por estas duas vertentes fez com que, em 1998, tivesse tido o primeiro contacto com a Polícia Marítima, no contexto da Expo ´98, tendo sido também nesta altura que esta ganhou mais visibilidade. Depois de, entre milhares de pessoas candidatas ao cargo, ter sido promovida em 2010, foi colocada no Faial, nos Açores. Começou por desempenhar funções de fiscalização, tendo tirado nos tempos posteriores algumas formações para realizar recolha de vestígios na Policia Judiciária. Atualmente, onde atua mais é na investigação, fiscalização e recolha de vestígios.
Carla no seu trabalho de vigilância da área

“Eu recordo o episódio mais bonito que eu tive em 10 anos da minha carreira. Fui fazer uma substituição de um colega meu, estava um bocadinho aborrecida porque nesse dia estava de folga mas fui chamada ao serviço e acabou por ser o dia mais bonito do meu serviço até ao dia de hoje”, explica, com um sorriso enorme presente no rosto. Saiu do canal da Baía do Faial numa mota de água para seguir os botes baleeiros através de uma regata que estava a decorrer. Nessa mesma tarde, uma tempestade formou-se no céu e, no regresso para terra, reparou que a esteira que a mota de água ia deixando era acompanhada por dezenas e centenas de golfinhos “que iam a fazer de escolta”. Só a deixaram quando entrou no Porto da Horta. 

“Episódios infelizes que nos marcam temos, infelizmente, muitos. Mas, de uma forma tão positiva, este foi sem dúvida o que me marcou, localmente”, afirma. Fala-nos também sobre o episódio que mais a marcou, por razões não tão positivas. Aconteceu enquanto realizava uma missão de apoio aos refugiados, em 2018 na Grécia, no âmbito da agência Frontex, na Ilha de Lesbos. “Aí marcou-me, de uma forma não tão feliz, porque acabamos por ver coisas que não desejamos a ninguém e depois, para quem tem filhos, ainda é mais complicado. Acaba por ser um pouco mais difícil e marca. Marca muito”, desabafa.

Ser mulher neste meio

“A única vez que eu senti dificuldade na polícia marítima, por ser mulher - mas também sou um bocadinho teimosa e persistente e quando me dizem que não, têm que me dizer o porquê-, foi quando fui colocada num comando e não tinham lugar para receber mulheres, ou seja, colocam-me num lugar onde não estão aptos para receber mulheres", conta Carla. "Lá me arranjaram sítio para ficar numa sala de arrumos de materiais de limpeza, colocaram lá uma cama e um sofá assim às três pancadas, retiraram os materiais de limpeza e assim fiz o meu serviço. Isto não é só por ser nessa região, até porque existem comandos que só até há pouco tempo é que fizeram mudanças nas infraestruturas para receber mulheres”, explica.

O mundo do mar sempre foi considerado um meio para homens. Desde sempre que se incute que, por exemplo, áreas como cabeleireiro e limpeza são de mulher e que desporto, política e trabalhos que envolvam força são de homem. Mas será que existem mesmo profissões que são consideradas de homem e outras de mulher? Ou apenas se trata de uma desigualdade de género que vai sendo perpetuada desnecessariamente? 

A técnica das redes

Acorda entre as 5h e as 6h da manhã e dirige-se ao Porto de Abrigo de Albufeira. Já no local, troca de sapatilhas por umas botas mais apropriadas ao seu trabalho e embarca num barco pequeno de apoio até à embarcação maior. Acompanha quer a largar a rede quer a expender (recolher a rede) bem como ajuda a transportar as caixas com o pescado do barco para a lota. Por fim, muda de calçado e o seu dia está feito por lá.

Sandra Rodrigues tem 52 anos e é natural de Angola. Desde pequena que adora ir à pesca. Lida com pescadores desde os 15 anos e desde sempre que enfrenta o estigma de que mulheres a bordo de embarcações trazem azar às pescas dos homens, opinião patinhada pelo seu sogro quando entrava a bordo da sua embarcação. Nunca sentiu que fosse mais complicado obter certas oportunidades dentro deste meio do que se fosse homem, por ser mulher. O seu marido não acredita nessa crendice e, por alguma influência sua, Sandra começou a fazer mais formações e a dedicar-se a esta área de que tanto gosta. Neste momento, está a tirar o curso de Marinheiro Pescador e pretende fazer mais neste meio. 
Sandra Rodrigues no Porto de Abrigo de Albufeira, onde embarca todos os dias

O que mais a marca neste trabalho pela positiva é quando consegue devolver o peixe ao mar para assim continuar a seguir a sua jornada, por não se poder vender por diferentes razões. Pela negativa, todo o lixo que apanham, junto com o peixe.

Sandra deixa um conselho a todas as mulheres que queiram começar a fazer da pesca a sua vida: “procurem informações sobre as formações e inscrevam-se. É um trabalho duro mas conseguimos fazer”.

Marinheira em empresas marítimo-turísticas 

O seu pai toda a vida foi pescador e interessado pelo mar, e sempre fez força para que Daniela tirasse a carta de marinheiro, quando tivesse os seus 16 anos, para que sentisse também esta admiração. Até então, Daniela não tinha tido qualquer interesse em fazer formações, mas em 2018 mudou de ideias e decidiu investir neste meio. Em 2019, começou a trabalhar numa empresa marítimo-turística e, a partir daí, chegou à conclusão de que partilha com o pai a paixão pelo mar. Daniela Varela tem 24 anos, é natural de Faro e vive em Albufeira. Hoje em dia, conta já com duas cartas, a carta de marinheiro e a de patrão local. 

Daniela Varela no Porto de Abrigo de Albufeira

“Parece que não estamos a trabalhar. Parece que todos os dias estou a fazer o meu hobby”, afirma. Sente que ainda existe descriminação por parte das marítimo turísticas ao contratarem mulheres como marinheiras. Existem ainda empresas que, por norma, não contratam mulheres para este cargo, embora não o evidenciem. “Acho que tanto o que um homem consegue fazer neste meio das marítimo turísticas, uma mulher também consegue fazer, igual ou melhor”.

“Não há qualquer razão que impeça uma mulher de ir a sítios onde um homem vai e mais além. Se ela gostar de viajar, se gostar do desconhecido, do mistério e de ser perder, nada será capaz de mantê-la em casa”, disse em 1920, a exploradora Harriet Chalmers Adams. Estas 3 mulheres são o exemplo disto.

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