Testemunho de Patrícia Nobre, enfermeira portuguesa na linha da frente contra a Covid-19

Por detrás de todo o equipamento de proteção, Patrícia Cid Nobre, portuguesa de 28 anos, é uma das enfermeiras da unidade de Portimão do Centro Hospitalar do Algarve. Como tantos outros, fica irreconhecível ao passar nos corredores e pisos do serviço de medicina interna. Há um ano e meio que os rostos, os sorrisos e as caras de exaustão dos profissionais de saúde são substituídos por máscaras, viseiras e óculos de proteção. 
Entrevista | Beatriz Costa

Licenciada em enfermagem desde os 23 anos, pela Universidade do Algarve em Faro, Patrícia Nobre, agora com cinco anos de carreira em enfermagem encontra-se na linha da frente no combate à pandemia COVID-19. Começou a exercer a sua profissão de sonho assim que acabou a licenciatura, ficando logo colocada. “Comecei a trabalhar três meses após o término da licenciatura, fiquei logo colocada quando me candidatei! Estava desejosa de entrar no mundo da enfermagem e de colocar em prática tudo o que tinha aprendido na Universidade!”, conta. 

Sobre a sua adaptação ao trabalho no meio hospitalar, considera ter sido "uma adaptação difícil, mais difícil do que pensei até. É diferente sermos alunos e termos sempre alguém a quem recorrer do que sermos responsáveis pela vida daquela pessoa, é uma enorme responsabilidade". Para a jovem enfermeira, entre as maiores dificuldades estiveram a "dificuldade em não levar para casa várias das situações que vivenciava. Separar a vida profissional da vida pessoal é algo bastante importante na minha profissão, mas no início foi algo bastante difícil de gerir. Até nos dias de hoje, por vezes ainda sinto essa dificuldade, mas é normal, é uma profissão que mexe muito com o nosso psicológico e com as nossas emoções".

O gosto pela profissão que exerce é visível no rosto e no brilho dos olhos de Patrícia. Desde nova diz ter o sonho de seguir algo relacionado com a saúde: “sempre me identifiquei bastante com a área da saúde e com o cuidar do outro e vejo a enfermagem como uma junção dessas duas vertentes”. Até hoje, trabalha na especialidade em que foi colocada desde o início da sua vida profissional, o serviço de medicina interna.


 Enfermeira Patrícia Nobre no hospital onde trabalha com 

pacientes Covid-19 

“O serviço de medicina interna é uma área muito diversificada onde lidamos com a vida, a morte, o sofrimento e as pequenas grandes conquistas na recuperação dos utentes. Trabalho com pessoas que sofreram um acidente vascular isquémico, neoplasias, pneumonia, HIV, entre muitas outras. Cuidamos do doente paliativo até ao doente num estado mais crítico. Diria que o maior desafio é, sem dúvida alguma, lidar com o sofrimento do outro e sentir que por mais que façamos não conseguimos aliviar aquela dor e isso custa muito...”  

O desgaste físico e psicológico dos profissionais de saúde já era de grande dimensão, mas a chegada da pandemia veio piorar a situação. “Foi necessário alterar a dinâmica de trabalho, não só por causa dos horários, mas por todo o material e equipamento que passámos a usar e ao qual tivemos que nos adaptar rapidamente. Não havia outra forma de nos protegermos a nós mesmos, o medo tornou-se constante”, relembra Patrícia.

A nova realidade trouxe consigo novos horários, mais exigentes e com mais sacrifícios a nível pessoal e familiar. “Os horários são rotativos, é como as folgas, há semanas que temos três folgas, outras duas ou apenas uma. Na pandemia passámos a fazer turnos de 12 horas para não haver tanto contacto entre todos e a equipa era sempre a mesma. Por exemplo, fazíamos manhã das 8h às 20:30h ou noite das 20h até as 8:30h da manhã”, refere a enfermeira.

Apesar de tudo, considera que os enfermeiros souberam estar à altura de uma situação de tamanha gravidade: “Vejo os enfermeiros como uma classe profissional que sempre foi muito criativa e que se adapta facilmente a muitas situações. Claramente que preparados não estávamos, acredito que ninguém estava, mas sei que rapidamente arranjámos estratégias e conseguimos encarar de frente o que aí vinha”, observa. “Numa profissão como esta o trabalho em equipa é essencial, precisamos uns dos outros para tudo avançar. A equipa foi com certeza a base para enfrentar, dia após dia, toda esta pandemia. Percebemo-nos uns aos outros e apoiamo-nos em todas as situações, nas alegrias e tristezas. Enfermeiro que é enfermeiro tem que saber trabalhar em equipa!”.

Individualmente, sente que a “principal dificuldade foi o medo, o grande medo de poder contaminar alguma pessoa que me era próxima. Para além disso, foram as saudades de estar como normalmente estava sem medos com as pessoas que me são próximas e que me dão forças para cada dia. O abraço, o toque, o beijo, fez-me falta durante todo este tempo incerto… penso que fez falta a todos nós, não é verdade?”.

Para enfrentar todos os desafios, a enfermeira contou com o apoio da família. “A minha família e amigos são a minha linha da frente, sem eles não tinha conseguido ultrapassar tudo isto da forma que consegui. São a minha base. Imprescindíveis”, afirma, com um sorriso na cara.

Em momentos desafiantes como estes, o sacrifício de estar longe dos que mais nos são próximos é certamente o que mais custa a todos, mas a consciência do perigo e das consequências prevalece e faz-nos não dar o passo errado. No caso dos profissionais de saúde este mesmo pensamento é constante. A profissão de enfermeiro traz riscos e isso um enfermeiro sabe com toda a certeza.

Para Patrícia Nobre há uma lição a tirar dos tempos de pandemia: “Temos de viver cada momento, abraçar cada pessoa que gostamos sempre que pudermos, abraçar a vida e a nossa liberdade, que tanta falta nos faz”.
  

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