João Duarte Costa: “Tento manter-me vivo, em reciclagem constante”

É natural de Moura, mas a sua vida oscila entre Lisboa e Serpa. Estreou-se, profissionalmente, em 2008. No entanto, o seu percurso pelo teatro teve início anos antes, “ingenuamente”.

Perfil | Laura Pimenta 


 O ator conta cerca de 13 anos de carreira. 

Fotografia de Pedro Sadio 


Ator e encenador, João Duarte Costa é licenciado pelo Conservatório de Teatro, Escola Superior de Teatro e Cinema, do Instituto Politécnico de Lisboa. Fez um BA em Acting na Guildhall School of Music and Drama, em Londres, e várias formações complementares no Conservatório Real de Bruxelas e em escolas de teatro em Espanha, França e Turquia.

O seu percurso no mundo do teatro teve início ainda nos tempos de escola. “Comecei, ingenuamente, a fazer teatro no clube da escola, ainda no ensino básico, sem pretensões algumas ou ideias de seguir essa carreira”, refere João Duarte. Entretanto,  algo mudou: “No secundário foi diferente. A professora responsável pelo grupo de teatro da escola sempre me incentivou muito a ler, a pensar os espetáculos que fazíamos, e foi nessa altura que começou a fascinar-me todo o processo de concepção de um espetáculo”. 

Maria João Brasão, a professora responsável pelo grupo de teatro (En)Cena, que João Duarte frequentou durante o ensino secundário, conta que o ator representou em peças como “A Lua de Joana”, “O Auto da Barca do Inferno” e “O Principezinho a quatro línguas”, tendo esta última sido apresentada no Festival de Teatro Escolar em Portalegre e também nas cidades de Beja e Moura.

Para além do teatro, a docente destaca ainda a sua participação "já no décimo segundo ano, no Projeto Cinema CCAJ, em parceria com a Associação Os Filhos de Lumière e a Cinemateca Francesa, em Paris, tendo feito parte como ator do filme ensaio, «Até Amanhã»”.

João Duarte Costa foi ator no filme “Até Amanhã”, em 2007, no âmbito do 

Projeto Cinema Cem Anos de Juventude 


Foi também Maria João Brasão "que me falou do conservatório, até aí inexistente no meu universo”, afirma o ator. Em 2007, realizou as provas de ingresso para a Escola de Teatro, onde entrou. “A partir daí comecei a ter contacto direto com o teatro e o meio. Depois seguiram-se os primeiros espetáculos profissionais, com diferentes companhias de diferentes géneros e a aposta contínua e constante na formação”, refere.

O início de uma carreira

Em 2008, ainda durante a sua formação no conservatório, João Duarte Costa estreou-se como profissional. O ator subiu ao palco do Teatro da Trindade, com o espetáculo “Aqui no Paraíso”, baseado na obra “A hora difícil” de Pär Lagerkvist. “Foi o primeiro espetáculo que fiz a receber cachet, e foi o primeiro contacto com aquela realidade. Lembro-me de ir muito cedo para o teatro nos dias de espetáculo, arrumar os adereços, pensar sobre o que tinha corrido menos bem na noite anterior... ritual que ainda hoje mantenho”, relembra o ator.

Ao longo dos anos, João Duarte tentou ser eclético na escolha dos seus trabalhos. Trabalhou no Parque Mayer, no Teatro Maria Vitória, onde experimentou o teatro de revista. Com a companhia Teatro Praga fez a “Tropa Fandanga”, no Teatro Nacional D. Maria II, “Tear Gás” na Culturgest e “Xtròrdinário” no Teatro S. Luiz. Trabalhou, também, no Teatro Politeama, com Filipe La Féria, onde participou nos espetáculos “Amália” e “As árvores morrem de pé”. Fez também o espetáculo “Radiografia de um nevoeiro imperturbável”, no Teatro Nacional D. Maria II. 

“Xtròrdinário” estreou a 10 de maio de 2019, no Teatro S. Luiz. 

Fotografia de Alípio Padilha 


Mais recentemente, integrou os espetáculos “Could be Worse” dos Cão Solteiro, no Teatro Nacional S. João, no Porto, e “Empowerbank”, da Plataforma 285, no Lux. Para além destes trabalhos, João Duarte Costa participou, ainda, em espetáculos como o “Auto da Barca do Inferno”, “Falar verdade a mentir” e “Felizmente há luar”, destinados às comunidades escolares, tendo integrado diferentes companhias.

“Empowerbank” foi o primeiro espetáculo que o ator realizou durante a pandemia. 

Fotografia de Joana Correia 


 
Entre todos os seus trabalhos, o ator destaca “Radiografia de um nevoeiro imperturbável” como o mais marcante. “Exigiu de mim uma disponibilidade que talvez o tenha tornado um dos espetáculos que mais me marcaram”. João Duarte recorda o processo de ensaios, “muito intenso e fisicamente muito desgastante”, que incluiu aulas de movimento e preparação física. “Tratava-se de um espetáculo em que o ponto motor era o movimento. Lembro-me de ser um processo profundamente doloroso, mas altamente prazeroso”, refere. 

“Radiografia de um nevoeiro imperturbável” foi o espetáculo que mais marcou o ator. 

Fotografia de Bruno Simão 



Da representação à encenação

Nos últimos três anos, João Duarte Costa tem realizado vários projetos em parceria com o Grupo de Teatro (En)Cena, desta vez, exercendo o papel de encenador.

O ator regressa agora ao local onde tudo começou, encenando espetáculos como “O Feiticeiro de Oz”, “Diário de Anne Frank”, “Recordar o Festival da Canção” e “O Principezinho”, e também o filme “A Noite”, baseado na obra homónima de José Saramago. 

Há cerca de três anos que João Duarte realiza espetáculos com o (En)Cena. 

Fotografia de Daniel Galvão 



Através dos trabalhos realizados, os jovens atores vão criando ligações com o encenador. “É um bom profissional, uma pessoa incrível e extremamente criativa”, diz Mafalda Silva, atriz integrante do (En)Cena. “Quando surge um projeto, chega-se à frente e assume a responsabilidade. É um excelente ator e encenador, organizado e responsável”, acrescenta Anita Costa, atriz do mesmo grupo.

No trabalho que realiza com os jovens, o encenador transmite conhecimentos e conselhos para que, enquanto atores, estes possam progredir e superar-se a si mesmos em cada espetáculo. “O João mostra-nos que nada é perfeito mas que, com trabalho e esforço, conseguimos chegar lá”, diz José Vitória, membro recente do (En)Cena. “Transmite-nos um sentido de responsabilidade em relação ao que fazemos e espírito de equipa. Todos somos responsáveis pelo trabalho uns dos outros”, afirma Anita Costa.

“É uma pessoa muito acessível e com quem eu gosto muito de trabalhar”

Dos vários trabalhos realizados entre o encenador e o grupo, a maioria caracteriza-se pelo estilo musical, algo a que os jovens não estão habituados. “Trabalhar com o João é, ao mesmo tempo, desafiante e gratificante”, diz Filipe Vargas, ator do grupo (En)Cena. “É muito exigente, são espetáculos de um nível acima do que estamos habituados, mas acaba por ser divertido e desafiante por nos apresentar novas formas de fazer teatro. É gratificante ver o resultado final e ver que ficou bom, sabemos que foi graças a ele”. A proximidade de idades é, também, algo que torna o processo de ensaios mais dinâmico e agradável. De acordo com Miguel Gregório, outro jovem que integrou, recentemente, o grupo (En)Cena, “quando vamos para um ensaio, vamos com uma mentalidade não só de trabalho, mas também de diversão. É um ambiente sério e, ao mesmo tempo, dinâmico e divertido”.

A atriz Rita Paixão, que também tem colaborado com o grupo (En)Cena, afirma que “trabalhar com o João é muito fácil, porque ele tem uma grande paixão pelo que faz e transmite-a facilmente às outras pessoas. É uma pessoa muito acessível e com quem eu gosto muito de trabalhar”.
 

Os jovens recordam o processo de ensaios como algo divertido e, simultaneamente, exigente. 

Fotografia de Mafalda Silva 


Para os jovens, trabalhar com João Duarte Costa tem um grande impacto a vários níveis. “O trabalho com o João fez-me ganhar mais autoconfiança. Comecei a ver o teatro com outros olhos, a fazer isto conseguimos ser felizes e animar a malta”, refere José Vitória.

“Por nos proporcionar experiências novas, ensinou-me a confiar mais nas minhas capacidades enquanto ator. Foi a partir do momento em que fiz espetáculos com o João que tive a certeza e o desejo de querer seguir teatro. Se daqui a uns anos esse sonho se tornar uma realidade, foi graças a ele e àqueles espetáculos”, afirma Filipe Vargas.

No entanto, os ensinamentos transmitidos pelo encenador não se adequam apenas ao teatro. “Trabalhar com o João fez-me perceber que devemos fazer o que realmente gostamos e sentimos, independentemente do que os outros pensem”, diz Miguel Gregório. 

O impacto na cultura local

Todos os projetos realizados pelo encenador, em parceria com o grupo (En)Cena e com a Câmara Municipal de Serpa, abrangem “várias dimensões de intervenção cultural junto da comunidade”, refere Odete Borralho, vereadora da cultura de Serpa. Trabalhar com o João Duarte tem sido muito motivador e gratificante, quer pela sua entrega total a todos os projetos e desafios, quer pela sua enorme capacidade mobilizadora de todos os envolvidos, principalmente dos jovens que têm tido a oportunidade de participarem nos projetos culturais desenvolvidos no último ano e em tempos de pandemia”, refere a vereadora. “O seu talento, generosidade, empenho, entrega e dedicação ao trabalho são muito inspiradores. O seu enorme talento tem, sem dúvida, um valor marcante para a cultura em Serpa e no país”.

João Duarte Costa é um dos principais dinamizadores da cultura em Serpa 

Fotografia de Vítor Brasão 


“Tento manter-me vivo, em reciclagem constante”, afirma João Duarte Costa. “E essa atenção ao que está à minha volta será sempre o desafio maior. A par de outras coisas que, noutro plano, são também desafiantes, como a regularidade de trabalho, a segurança e estabilidade financeira. Os desafios são diários, mas é uma questão transversal a todas as «carreiras»”.


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