Fortunato dos Santos Condeça, antigo GNR, nascido a 19 de dezembro de 1942 numa aldeia alentejana, foi a prova de uma vida levada com amor, dedicação e luta.
Perfil | Marta Condeça
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Fortunato Condeça com 33
anos. Foto de Marta Condeça |
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Fortunato com a sua mulher |
“O meu pai era o protetor e o guardião da família”
Fortunato impôs aos seus filhos uma educação rígida e com regras bem definidas, talvez fruto de ter sido militar. Fazia questão de salientar que, na sua casa, não havia lugar para faltas de educação ou de respeito. Contudo, ao mesmo tempo, deu-lhes uma educação ternurenta, que fazia transparecer a paixão que sentia por eles. José Condeça refere que mesmo "já com os filhos fora de casa, e porque o processo educacional é contínuo, o meu pai sempre foi o melhor ouvinte e conselheiro sábio do qual nunca abdiquei”. Fortunato deixou em vida marcas da sua educação e dedicação para com a família. A pontualidade e responsabilidade nos compromissos, o amor e a paixão pela família e até mesmo os momentos em que a paciência parece escassear e o coração sobe à boca, José afirma serem aspetos característicos da sua personalidade e que, sem dúvida, herdou do pai. Isto porque Fortunato era um homem que transmitia com clareza os seus valores e, principalmente, aqueles que queria transmitir aos seus filhos. Também em aspetos físicos, José admite rever muito a imagem do seu pai em si. A genética não falha, diz-nos. “Havia uma frase que o meu pai desde cedo me disse e que ainda hoje retenho: 'a cama que fizeres será aquela onde te deitarás'. Também a forma como valorizo a justiça e lealdade herdei seguramente do meu pai”, acrescenta.
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Fortunato com a mulher e o filho José |
“Tinha sempre uma aparência muito cuidada, mas sem grandes formalismos”
O cuidado que tinha consigo fazia com que Fortunato tivesse uma imagem simples e discreta, sem exuberâncias. Tinha sempre a barba arranjada e quando se ausentava por motivos profissionais durante um mês, todos os anos, a família sabia que o iria receber de novo, com um enorme bigode, do qual se orgulhava e que adotou como imagem de marca após sair da GNR. Na maneira de agir e de falar, mantinha a sua simplicidade. “O meu pai era um bom ouvinte e quando intervinha tinha um tom de voz grave, numa cadência pausada. Era uma pessoa muito apaziguadora e quando percecionava que o tema da conversa não teria um bom final, ausentava-se muito tranquilamente para não se aborrecer. Quando se chateava era a sério”, conta o filho José Condeça.
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O bigode era uma "imagem de marca" de Fortunato |
“A vida é para ser vivida”
Havia reciprocidade na vida de Fortunato. Aquilo que tentava dar aos outros, generosidade e carinho, era-lhe devolvido em respeito e admiração, que muitos tinham por ele. Ainda assim, nunca se vangloriava de qualquer feito nem tentava ser superior em relação aos outros, mantendo-se sempre consciencioso e honesto. A lealdade e generosidade estavam sempre presentes nas suas ações, sendo incapaz de deixar para trás um amigo. Era um homem corajoso e valente nas suas adversidades, tendo sido a prova disso a forma como encarou a sua doença. Para não preocupar os outros, manteve-se em silêncio, demorando muito tempo a queixar-se dos sinais do seu tumor. Já numa fase mais avançada de desconforto, tentou sempre manter-se ativo e nunca deixar de fazer aquilo que lhe dava maior prazer: ir para o campo e à pesca. “O meu pai aproveitava todos os momentos com bastante intensidade, o seu lema seria certamente 'a vida é para ser vivida'“, observa José Condeça.
“O meu avô tinha toda a paciência para nós”
Duas das suas netas, que teve oportunidade de ver crescer, dão conta do papel que Fortunato teve não só como pai, mas também enquanto avô. Os seus testemunhos têm algo em comum: as memórias estão nítidas como se tivessem sido contruídas hoje. “Lembro-me de me ir buscar à escola. [...] Estava sempre encostado à parede e lembro-me que quando chegava ao pé dele abraçava-o e pensava que tinha barriguinha. Depois, íamos para casa, de mão dada, num percurso que não demorava mais do que 5 minutos. Em muitos desses dias, depois do almoço, eu ia com ele e com a minha avó à pesca. Acho que das melhores memórias que tenho da minha infância é de um dia desses, de pesca. Era primavera, estava calor, mas corria uma aragem suave e deliciosa. Ele foi para a barragem e eu fiquei debaixo de uma árvore com a minha avó, com uma manta estendida a fazer os trabalhos de casa. Lembro me como se fosse hoje, da sensação de paz”, recorda Margarida Condeça.
São memórias de um avô preocupado, atencioso e divertido, que mesmo na fase em que se encontrava doente, tinha sempre energia suficiente para alegrar os seus. “Não havia vez que não me recebesse com um 'então filha…?', sempre com a preocupação de me olhar e perceber se estava tudo bem. [...] As tardes de pesca na barragem, quando eu bem sabia que muitas já eram feitas em esforço, sob cansaço e dor, eram sempre o meu delírio. Nunca houve uma recusa, só porque sabia que nos faria, às netas, tão felizes! O meu avô cheirava a poejo e hortelã da ribeira. Aliás, o poejo e a hortelã da ribeira, hoje, cheiram ao meu avô!”, confessa Rita Condeça.
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Fortunato com a mulher e três netas |
“Coragem e amor. O meu avô foi coragem e amor”
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Fortunato é um modelo de comportamento para os seus netos |
Não é fácil recordar os valores e qualidades de alguém de quem temos tantas saudades. Ainda assim, as netas de Fortunato destacam que o seu avô foi exemplo de amor e coragem. Alguém que lidou com uma doença grave, mas que tentou manter-se sempre firme e feliz. A esperança e a resiliência só partiram quando ele partiu. Sobre o lema de vida de Fortunato, as suas netas são unânimes em apontar a vontade de viver e o prazer pela vida. Mesmo quando a dor falava mais alto e o cansaço era tanto, que até a capacidade que tinha de o esconder falhava, Fortunato lutava até ao fim. “Tinha imensa vontade de fazer, de estar e de viver. Não me recordo dele de outra maneira, mesmo quando eu sabia que havia dor e exaustão física”, conta Rita Condeça. No dia 17 de junho de 2000, Fortunato Condeça faleceu na cidade de Beja, vítima de cancro. Deixou saudade imensa e um enorme legado de amor, bondade e coragem.
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