Saída de Sergio Moro agrava crise política no Brasil em pleno combate à pandemia

Notícia | Beatriz Barbosa Cabral*

O agora ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública do Brasil, Sérgio Moro, anunciou sua exoneração na última sexta-feira, dia 24, durante discurso transmitido em rede nacional. A decisão foi tomada após o presidente Bolsonaro exonerar o até então diretor geral da Polícia Federal Brasileira, Maurício Valeixo. Uma semana antes, a 16 de abril, o ex-ministro da Saúde Luís Henrique Mandetta publicava na sua conta do Twitter que deixaria o cargo no Ministério da Saúde em questão de horas.
Da esquerda para a direita: Sergio Moro, Paulo Guedes, Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta e Antônio Barra Torres durante entrevista coletiva (1)


A saída de Mandetta a meio da pandemia

Luís Henrique Mandetta anunciou no dia 16 sua exoneração do Ministério da Saúde pelo governo de Jair Bolsonaro, em meio à pandemia da Covid-19. O ex-ministro usou sua conta do Twitter para comunicar a decisão federal. Mandetta e Bolsonaro divergiam sobre os caminhos a tomar para combater o novo coronavírus: enquanto o presidente defendia – e segue defendendo – a abertura do comércio para evitar impactos profundos na economia, o ex-ministro mantinha-se alinhado às orientações da Organização Mundial da Saúde e defendia o isolamento social para a contenção da doença.
Luís Henrique Manieta (2).


Durante seu pronunciamento no Planalto horas antes da publicação da exoneração no Diário da União, o presidente disse que “gradativamente temos que abrir o emprego no Brasil”. O novo ministro, Nelson Teich, completou o discurso de Bolsonaro afirmando que não haveria transição “de maneira brusca” e prometeu aumentar a testagem da doença. Naquela época o número de mortos no país não havia atingido os 2 mil.

Na altura, uma pesquisa do Datafolha indicava que 76% da população brasileira aprovava a gestão de Mandetta, e a resposta imediata da demissão por parte dos brasileiros se fez ouvir em muitas capitais e cidades do país. Contrários à exoneração do ex-ministro promoveram panelaços durante o pronunciamento do presidente e depois por volta das 20h30 do dia 16.

Líderes partidários, governadores, deputados, senadores, artistas e outras personalidades brasileiras lamentaram a saída de Mandetta através de contas nas redes sociais. A repercussão, entretanto, não ficou restrita ao território nacional: o El País afirmou que a “demissão foi uma decisão eminentemente política”, o The Guardian destacou que Bolsonaro “minimizou o impacto” da Covid-19 e para o Washington Post a “disputa complica a resposta do Brasil à pandemia”.

Exoneração de Valeixo e demissão de Moro

A nota de exoneração do diretor geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, foi publicada no Diário da União no dia 23 de abril. A partir daquele momento muitos jornais brasileiros, como a Folha de S. Paulo, previram a demissão do até então chefe do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro. O pedido se concretizou no dia seguinte (24), durante discurso transmitido em rede nacional.
Decreto de exoneração de Valeixo publicado no Diário da União em 23 de abril (3).



No pronunciamento, Moro fez acusações graves ao governo Bolsonaro: o ministro acusou o presidente de interferir politicamente no trabalho da PF e utilizar a sua assinatura eletrônica sem autorização. A assinatura de Moro aparecia na nota de exoneração publicada no dia 23. Ela foi posteriormente alterada e o nome do ex-juiz foi substituído.

Além do suposto uso irregular da assinatura de Moro, o decreto indicava que a exoneração de Valeixo foi feita “a pedido” do ex-diretor da PF, mas a versão dele é outra. De acordo com o UOL, o policial disse que não queria sair. Valeixo teria ainda confidenciado a colegas de trabalho que nem sequer assinou documento pedindo demissão.

Suposta interferência na Polícia Federal e as ações da PGR e do STF

De acordo com o pronunciamento de Moro, o presidente da República Brasileira não apresentou justificativas válidas para a exoneração do chefe da PF, braço direito do ex-ministro. “Não há causa para essa substituição e fica claro que há uma interferência política na Polícia Federal”. O ex-diretor da PF era responsável por investigações ligadas aos filhos do presidente e ao próprio Bolsonaro. Segundo as palavras do ex-ministro, “o presidente tinha preocupação com alguns inquéritos da PF e isso seria considerado [por Bolsonaro] como um motivo para a troca” e “o problema não é quem colocar e sim por que trocar”.
Presidente e os filhos (da esquerda para a direita) Eduardo, Flávio e Carlos Bolsonaro (4).



Ao final do discurso, Moro ainda afirmou que havia conversado com o presidente indicando que a troca do chefe da Polícia Federal sem uma justificação válida seria uma interferência política na PF e Bolsonaro teria afirmado que “seria mesmo”. Segundo o ex-juiz, “Bolsonaro disse que queria alguém de confiança dele, que pudesse ligar, pegar informações e pedir relatórios, queria um contato pessoal na PF”.

Algumas horas mais tarde o presidente fez um discurso em resposta ao do ex-juiz. Bolsonaro afirmou: “Eu não tenho que pedir autorização para ninguém para trocar o diretor ou qualquer um outro que esteja na pirâmide hierárquica do Poder Executivo”. Além disso, disse ainda que “a todos os ministros, e a ele [Moro] também, falei do meu poder de veto. Os cargos chave têm que passar pelas minhas mãos, e eu daria o sinal verde ou não”.

De acordo com a Folha de S. Paulo, o presidente havia dito em junho do ano passado, durante encontro com empresário, que os ministros de seu governo teriam “carta branca” para compor os seus ministérios, o que foi reforçado pelo discurso de Moro.
 
Bolsonaro e ministros em pronunciamento do dia 24 (5).



Ainda no dia 24, durante o discurso do presidente, a Procuradoria Geral da República (PGR) emitiu uma nota pedindo uma oitiva para ex-ministro da justiça. De acordo com Augusto Aras, procurador-geral, tanto Bolsonaro quanto Moro poderiam estar comento crimes, e, portanto, seria necessária uma apuração. No dia 27, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a abertura de um inquérito para investigar o presidente por suposta tentativa de interferência política na PF e por falsificar a assinatura eletrônica de Moro. Além destes, foram atribuídos ao presidente como passíveis de investigação delitos de obstrução da Justiça e corrupção passiva privilegiada. Moro poderá ser investigado por denunciação caluniosa, crime contra a honra e prevaricação caso não apresente provas de suas acusações à PGR nos próximos 60 dias

Na sequência das exonerações, o presidente indicou o chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem – amigo da família Bolsonaro - para o cargo de diretor da Polícia Federal. Entretanto, STF suspendeu a indicação de Ramagem e considerou-a como “ferimento ao princípio da legalidade”.

*Texto redigido em português do Brasil.
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