Victoria Sajin
No dia 18 de janeiro de 1954 uma greve organizada dos vidreiros na Marinha Grande abalou o regime de Salazar. Nesse mesmo dia nasceu Vítor Reia Baptista, em Alcântara. Professor, investigador, músico, Reia Baptista considera-se uma pessoa política, “não político-partidário, mas político de rebeldia e irreverência”, por achar que as coisas não precisam de estar sempre como estão.
“Ah, uma boa pergunta”, responde quando lhe perguntamos se teve uma infância feliz. Como tudo na vida, considera que teve um lado positivo e outro menos bom: “de um modo geral, sim", teve uma infância feliz. Desde muito cedo mudou-se com os pais para a margem sul, onde ia com os amigos à “chinchada” (roubar fruta), brincavam na rua, aos índios e cowboys e faziam carrinhos de rolamentos de esferas para descer a rua. O seu pai era comunista, mesmo sem o saber definir, e ouvia a rádio Moscovo, o que provocava medo na sua mãe. Este medo estava sempre presente, devido ao regime salazarista, que fazia com que as pessoas não falassem de política nem de coisas mais íntimas, desconfiando de tudo e de todos, pois podiam ser informadores.
Vítor Reia Baptista, frequentou o Liceu D. João de Castro, em Belém, graças ao enorme esforço dos seus pais. Estudou também em Almada do 3.º ao 5.º anos, regressando novamente para o liceu, que então já era de rapazes e raparigas. A partir daí, em conjunto com os seus amigos, onde se incluía Teresa Dias Coelho, fizeram-se membros do Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa (MAESL). Faziam “pichagens” contra a guerra colonial. Para satisfazer a vontade da mãe, que queria que ele fosse médico ou engenheiro, foi para o Instituto Superior Técnico. Interessou-se pela área de engenharia eletrotécnica, mas porque “não tinha grande vocação para as matemáticas, para as análises e aritméticas”, apenas trabalhou com computadores e fez inúmeras greves, acabando por ser agredido pelos “gorilas” por passar filmes proibidos na associação de estudantes, como “A greve”, de Sergei Eisenstein, e “A Súbita Riqueza dos Camponeses de Kombach”, de Volker Schlöndorff. Isso levou a que, junto com os seus colegas, fizessem uma grande manifestação, acabando por ser preso pela polícia de choque.
Devido a toda esta agitação, e por ter um processo administrativo, não podia adiar a tropa. Motivado pelo enorme desentendimento com as políticas nacionais, decidiu que a única solução seria “dar o salto” para fora do país. Com 18 anos, passou por Itália, pela Holanda, onde ouviu alguns artistas dos seus tempos, como Pink Floyd e os The Rolling Stones, mas acabou por ir viver para a Suécia, a convite de um amigo que conheceu na Holanda. Antes de mais nada, tinha de ir à polícia pedir asilo humanitário e, posteriormente, político. Conheceu a Universidade de Lund e achou-a um “verdadeiro paraíso”. Primeiro, matriculou-se e estudou durante um ano Sociologia, curso que ainda não havia em Portugal. No entanto, no ano seguinte, apaixonou-se pelo curso de Literatura Comparada, acabando por especializar-se em Drama-Teatro-Cinema. Sentia-se “como um peixe na água”, devido ao seu grande amor pelo cinema: “era ver cinema dia e noite, estudar também os clássicos da dramaturgia grega e a história do teatro”, conta.
Durante esse período, começou a trabalhar para a televisão sueca, fazendo a dobragem da voz de um soldado português num filme de animação intitulado “O livro de História”. Em finais de fevereiro de 1975, foi enviado para Portugal para fazer uma reportagem para a televisão sueca sobre tudo o que tinha acontecido com o 25 de Abril, de 1974. Com apenas 20 anos, pediu auxílio a Adelino Gomes, um grande amigo seu, já que não tinha quaisquer contactos no meio jornalístico. Já em Portugal, em julho de 1975 foi convidado para trabalhar para o Jornal Cinematográfico Nacional, pois naquela altura as notícias ainda passavam nos cinemas, onde permaneceu durante dois anos.
Convidado para voltar à Suécia para novas produções cinematográficas, Vítor Reia Baptista regressou ao país na companhia de Margot Engstrom, com quem casou em 1976. Realizou os filmes e concluiu a sua licenciatura. Entretanto, teve três filhos, André, César e Bruno. Fez um mestrado em Pedagogia Fílmica, voltando para Portugal em 1985, a convite da Universidade do Algarve (UAlg), para lecionar Tecnologia Educativa. Passados 10 anos e, dado o seu currículo nas áreas de jornalismo, cinema e televisão, o reitor Jacinto Montalvão Marques propôs-lhe a criação de um curso de comunicação, momento que o marcou definitivamente. Na Universidade do Algarve, Reia Baptista teve a possibilidade e o desafio de criar um curso de acordo com aquilo em que acreditava, com toda a liberdade: “o que há de negativo, muitas vezes é ou foi culpa minha e no que há de positivo também terei alguma culpa no cartório, o que me deixa satisfeito”. Para além disso, o professor destaca o privilégio de ter contato, ao longo dos anos em que foi construindo e solidificando o curso, com a colaboração de amigos como José Pedro Castanheira, Adelino Gomes, Jacinto Godinho, Paquete de Oliveira e Anabela Moutinho, entre tantos outros.
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O Prof. Doutor Vítor Reia Baptista mantém uma relação de amizade com muitos dos seus antigos alunos, como Célia Pratas, que o consideram uma referência. |
Fernando Carrapiço e Vítor Reia conhecem-se há 30 anos. No ano de 1989, Fernando Carrapiço chegou à UAlg como assistente na área de tecnologias. Partilharam gabinete e, desde então, “colegas frente a frente, a um metro de distância”, têm partilhado experiências, ideias, disciplinas. Alternaram entre si a direção do grupo disciplinar e participaram em inúmeros projetos nacionais e europeus ligados às tecnologias e à comunicação. Fernando Carrapiço acompanhou, junto com Fernando Amaro, também colega de gabinete, a edificação do curso de Ciências da Comunicação, “talvez o melhor curso da ESEC”, como o qualifica.
Francisco Gil Baptista foi, inicialmente, aluno de Vítor Reia e, por se destacar entre os colegas, foi escolhido como monitor, passando, posteriormente, para assistente convidado. Em 1997, a pedido de Vítor Reia Baptista, assumiu algumas disciplinas na área de multimédia. Para o atual diretor do curso de Ciências da Comunicação, o Prof. Vítor “tem feito parte de vários projetos internacionais e, normalmente o desenvolvimento dos mesmos sai em diversos artigos científicos”, o que mostra a importância dos seus discursos e das suas pesquisas.
Para além de tudo isto, Reia Baptista é também um “homem que gosta de pesca, pois tinha o seu barquinho e ia pescar na Fuzeta”. Lá é conhecido “o pai dos suecos”, pois os seus filhos tiveram uma grande influência na comunidade da Fuzeta, contam Fernando Carrapiço e Francisco Gil. É também um homem que se “adapta bem a vários tipos de culturas”, da mais popular à elitista. “E é a isso que eu chamo de cultura. À capacidade de falar a vários níveis e relacionar-se bem com todos os indivíduos”, refere Fernando Carrapiço, "um homem sem quaisquer medos de ser humilde e, em simultâneo, é bastante elevado e reconhecido na sua área”. “A própria escola reconhece o Vítor de tal maneira que estamos a fazer um museu dos media que vai ter o nome dele, representando uma prova de reconhecimento”, acrescenta o docente. Homenageado na iniciativa, o facto é que Reia Baptista foi, ele próprio, responsável pela ideia de recuperar o património audiovisual da ESEC e está a colaborar nesta iniciativa, fornecendo informações sobre os equipamentos que fizeram a história do curso e dos media.
Francisco Gil destaca de Reia Baptista a sua faceta intelectual, contando que o professor nunca quis assumir a direção da escola, pois “não gosta muito das burocracias”. Fernando Carrapiço caracteriza-o como sendo objetivo, pois consegue “pegar num documento e sabe imediatamente o que fazer com ele”, responsável e trabalhador, dos primeiros a chegar à universidade e dos últimos a sair: "não foi diretor da escola pois sabia que isso iria criar atritos com os colegas, preferindo sempre a linha educativa”.
Vítor Reia Baptista é um homem feliz por ter chegado onde chegou e não trocava o que fez por nada deste mundo. Sente orgulho de si mesmo, porque, como diz, “nunca vendi a alma ao diabo” para conseguir alcançar os objetivos. Apesar de estar um pouco afastado da UAlg, deixa saudade nos seus colegas, funcionários e amigos. Tem "dado o corpo às balas" lutando sempre pela instituição e dando oportunidade a todos os membros da escola de participar em diversas conferências e atividades. É também uma referência para os seus antigos alunos, como conta Célia Pratas, aluna da primeira turma de Ciências da Comunicação.
Acima de tudo, aquilo que Vítor Reia Baptista mais valoriza na sua vida é a família, uma boa relação de amizade e um bom dia de sol algarvio.
Grande!
ResponderEliminarSimply the best. Saudades, Prof. Víctor Reia.
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