A saúde mental é uma desculpa que as pessoas chatas usam

Crónica | Raquel Branco

Ultimamente parece que tem sido o Twitter o motivo para todas as minhas revoltas. Alguém, desconheço quem seja, publicou imagens de uma tira de banda desenhada onde era retratada uma situação que me deixou no mínimo desconfortável. Não só pela situação em si, mas também pelos comentários que li em relação à mesma.

As imagens retratavam um casal. O rapaz tinha problemas de autoestima, passava o tempo a comentar os seus defeitos, mesmo em situações em que esse não era o tema de conversa. A namorada diz “gosto de você assim” uma vez mas, como seria de esperar, o rapaz não muda de opinião, e a rapariga acaba por deixá-lo. A rapariga da tira representa que muitos dos utilizadores que comentaram aquela publicação interpretaram. Ao meu ver, ele era alguém que precisava do apoio da namorada, da sua paciência, da sua ajuda. E mesmo que não conseguisse ajudar sozinha, que contribuísse para que o rapaz procurasse ajuda por ele mesmo. No entanto, os comentários foram quase todos “que moço chato”, “pessoas enjoadinhas são assim”, “realmente, quem teria paciência para isso?”. Isto incomodou-me bastante. Quer dizer, quem ama, teria a paciência necessária. 

O rapaz retratado na banda desenhada provavelmente estaria a passar por uma depressão ou teria a autoestima bastante em baixo. Mas, mesmo assim, tanto pela parte de quem comentou como da parte de quem desenhou as tiras, a situação foi banalizada. Porquê da parte de quem desenhou as tiras? Porque, na minha opinião, o autor retratou a situação de um ponto de vista errado. De um ponto de vista em que o rapaz estaria a fazer tudo por atenção, estaria apenas a querer que a namorada se focasse nele, a bem ou a mal. Inclusive, no último quadradinho, desenhou o rapaz como se fosse uma criança chorona, a dizer “ninguém me ama, ninguém me quer!” porque a sua amada se teria fartado das suas atitudes. Como que a dizer “tu fizeste isto a ti mesmo”. Porém, é mesmo assim que a sociedade vê as pessoas que lidam com estes problemas. “Depressão? Ri-te um bocado que isso passa”, “Ansiedade? Respira que isso passa”.
Fotografia de Scott Murdoch

Continuamos a não dar o devido valor à saúde mental. Hoje em dia, tudo é posto no mesmo saco. Tudo é um choro por atenção, tudo é egoísmo, egocentrismo, tudo. E as pessoas continuam sem ver que esta dimensão da saúde está cada vez mais fragilizada nos nossos tempos. Hoje em dia, é tão comum ter depressão, que se ouve “estou tão deprimido/a” em situações do dia a dia, situações em que uma pessoa mentalmente saudável diria que estava apenas triste. Mas hoje em dia, toda a gente se diz deprimida ao ponto de que quando realmente alguém o está, é mentira, é farsa. Chegámos a um ponto em que estes problemas já não são considerados problemas.

A verdade é que ninguém escolhe sofrer assim. Vivemos numa sociedade tão esgotante, que todos temos hipóteses de experienciar algo do género. E aí, se as pessoas que fizeram aqueles comentários algum dia fizerem parte da percentagem da população que está doente, talvez olhem para trás e para as suas mentalidades de uma maneira diferente. E se apercebam de que o mundo não é bem como achavam.

Comentários