Maria José Leote é professora há 27 anos e atualmente leciona aulas de História A na Escola Básica e Secundária de Albufeira. Licenciada em Ensino de História, não se dedica exclusivamente ao ensino da disciplina, e procura sempre fazer parte de novos projetos que vão surgindo. Dada a sua versatilidade para abordar qualquer assunto, e sendo professora de línguas e humanidades, Maria José Leote perspetiva o futuro da área, sobre o qual que acredita que poderá ser risonho.
Entrevista | Fábio Coelho
Olhares Académicos (OA): Sendo que é professora de História, sente nos seus alunos, de maneira geral, algum ceticismo em relação a um futuro bem-sucedido por estarem na área das humanidades?
Maria José Leote (MJL): Às vezes sinto, porque existe uma ideia errada de que em ciências tudo é mais fácil, óbvio e direto. Grande parte dos alunos sonha com profissões na área da saúde, ora na medicina, ora na enfermagem, etc. Muita das vezes sem pensarem nas dificuldades que poderão ter que enfrentar, desde logo a nível de estudo. São ideias que remetem à nossa infância, quando ainda pequeninos dizemos coisas como “quero ser médico para ajudar os outros” e inspirados nessas ideias, transpomo-las para a vontade de estudar ciências e tecnologias, de modo a ir para a área da medicina. Em humanidades, infelizmente, e acho que isto ajuda a denegrir as humanidades, existem muitos alunos perdidos, sem ideias, e que tem o único objetivo de fugir à matemática.
OA: Ainda é uma realidade que muitos alunos vão para humanidades para fugir à matemática?
MJL: Sim, isso acontece. E quando vejo um aluno que diz que detesta ler e escrever, questiono como é que se encaixa nas humanidades e normalmente obtenho uma resposta evasiva, como se não fosse problema, tendo eu perfeita consciência de que não é bem assim, e que é grave. Mais tarde, já no 12º ano, quando o tempo começa a escassear, aí começam a pensar melhor no que irão fazer. Costumo aconselhar que deverão seguir aquilo que gostariam de estudar, pois é meio caminho andado, porque por obrigação não funciona da mesma maneira.
OA: Quanto ao programa da disciplina de História A, acredita que o programa lecionado é capaz de dar uma preparação ao nível que o ensino superior exige?
MJL: O programa sim, porque é bastante abrangente. Permite uma visão muito diversificada [da história], desde a antiguidade, como a importância do direito romano, até ao programa do 12º ano, que é interessantíssimo para quem está a pensar em política, relações internacionais, sociologia. Depende muito de cada um, se estão abertos ao conhecimento, ao trabalho autónomo e ao espírito crítico, ou não. Podem-se fechar na ideia errada de que memorizar é suficiente e de que ler o essencial chega. E se se fecham à leitura, e não desenvolvem pensamento crítico, só o programa não pode ajudar.
OA: Pela estatística, regista-se uma maior taxa desemprego após uma licenciatura e/ou mestrado nos cursos que advêm da área das línguas e humanidades. Qual a sua perspetiva para o futuro na área?
MJL: A minha perspetiva para o futuro é abrangente, não só a nível das línguas e humanidades, mas a qualquer nível. Antigamente as pessoas tiravam um curso e sabiam minimamente que iam trabalhar naquela área. Hoje em dia não é assim. Por isso, como ainda há pouco dizia, primeiro estudar aquilo que queremos aprender, sem esquecer que é necessário pensar nas oportunidades de trabalho, mas fundamentalmente tirar um curso para aprofundar determinados conhecimentos. Se tivermos acesso ao estudo somos pessoas muito diferentes, e vemos a vida de outra maneira. Depois, se tivermos uma visão mais aberta, conseguimos perceber que, hoje em dia, não existe uma profissão para a vida toda, e que podemos ter de mudar de profissão mais que uma vez, e adaptarmo-nos a coisas diferentes. Quem estuda também tem de estar mais aberto a oportunidades de estudo ou de trabalho fora do país, se assim for necessário, dado que o nosso país é extremamente pequeno, em todos os aspetos. Só desta maneira não nos escandalizaremos caso não consigamos trabalho naquilo que queremos exatamente.
OA: Considera que o ensino, neste momento, desvaloriza a área das humanidades?
MJL: Não diria o ensino. Acho, sim, que a sociedade desvaloriza a área das humanidades porque não a entende, ao contrário da ideia, que poderia parecer óbvia, de que a matemática é que é complicada. Quando se fala em matemática toda a gente sabe o que é, veem-na como algo complicadíssimo, e que só alguns estão ao nível de a entender. Dentro das humanidades, acho que só quem tem a oportunidade de as estudar é que percebe o seu valor. Quanto a História, por exemplo, que é mais fácil para mim de abordar, sinto que as pessoas em geral, por estudarem história quando ainda são muito novas, ficam com ideias muito erradas, como a de que exige muita memorização. Como não têm a noção de que história nos dá uma visão diferente do mundo, ou que nos permite ser cidadãos diferentes, ou mesmo muito mais tolerantes, não percebem a sua importância. Caso tivessem esta noção, não achariam que se estuda história só pelo saber, mas sim porque nos permite ser pessoas diferentes.
OA: Existem cursos superiores cujos índices de desemprego ultrapassam os 20% em algumas universidades do país, e a norma é que estes sejam cursos provenientes das humanidades. Por outro lado, os cursos que apresentam menor taxa de desemprego são todos relacionados com a área das ciências. A seu ver, há algo que se possa fazer de forma apaziguar esta discrepância?
MJL: Talvez a nível político ou social, não só para as humanidades, mas algo mais abrangente. Porque a nível profissional, mais concretamente aqueles que detêm empresas, têm uma visão muito errada daquilo que deve ser. O facto de preferirem constantemente pessoas a quem lhes é possível pagar menos, para mim é uma visão completamente absurda, pois consequentemente, essas a quem se paga menos, também são menos qualificadas. A minha teoria sobre a questão das humanidades, é que estas são úteis para as mais variadas profissões. Em qualquer tipo de empresa, mesmo aqui no Algarve a nível de turismo, seja a nível da hotelaria ou outro qualquer, se as pessoas forem da área das humanidades, se calhar são muito melhores a nível de gestão pessoal, do que qualquer outra pessoa fora desta área. A questão é valorizar as pessoas que estudam, pois serão muito melhores profissionais, isso é que é importante. Enquanto se continuarem a pensar que compensa pagar menos, ou preferir alguém só porque é amigo do amigo, vai continuar tudo a correr mal. Estão a pôr de lado pessoas mais capazes.
OA: Consegue ainda assim proferir algumas palavras de ânimo para aqueles que ambicionem estudar e ser bem-sucedidos nesta área?
MJL: (Risos) Claro que sim. Vou voltar à conversa de há bocadinho, de primeiramente seguir aquilo que gostem, pois vão ser melhores em todos os aspetos. Mais felizes, porque ficarão com uma visão diferente do mundo, e com mais conhecimentos. Depois, o ânimo passa pela pessoa se mentalizar que não tem de encontrar imediatamente aquilo que ambiciona, até porque aquilo que se ambiciona hoje poderá não ser o que se ambiciona amanhã. À medida que se estuda, vão-se descobrindo novas coisas e despertando novos gostos. E, nessa perspetiva, há que ter muita abertura para novas oportunidades, e nunca pensar que aquilo que se estudou foi tempo perdido, porque há sempre alguma coisa que se ganha, quer se aplique no imediato ou mais tarde. Grande abertura também, não só em termos de profissão, mas também em termos de espaço. Nada mais me incomoda do que pessoas do Algarve que não se conseguem ver num outro lugar que não o Algarve, por exemplo. Tem que haver abertura e capacidade de adaptação, porque se se fecham ao seu mundinho, será sempre redutor.
Olhares Académicos (OA): Sendo que é professora de História, sente nos seus alunos, de maneira geral, algum ceticismo em relação a um futuro bem-sucedido por estarem na área das humanidades?
Maria José Leote (MJL): Às vezes sinto, porque existe uma ideia errada de que em ciências tudo é mais fácil, óbvio e direto. Grande parte dos alunos sonha com profissões na área da saúde, ora na medicina, ora na enfermagem, etc. Muita das vezes sem pensarem nas dificuldades que poderão ter que enfrentar, desde logo a nível de estudo. São ideias que remetem à nossa infância, quando ainda pequeninos dizemos coisas como “quero ser médico para ajudar os outros” e inspirados nessas ideias, transpomo-las para a vontade de estudar ciências e tecnologias, de modo a ir para a área da medicina. Em humanidades, infelizmente, e acho que isto ajuda a denegrir as humanidades, existem muitos alunos perdidos, sem ideias, e que tem o único objetivo de fugir à matemática.
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Para Maria José Leote, licenciada em ensino de História e professora há 27 anos, viajar é uma maneira de experienciar realidades diferentes e alargar horizontes. |
OA: Ainda é uma realidade que muitos alunos vão para humanidades para fugir à matemática?
MJL: Sim, isso acontece. E quando vejo um aluno que diz que detesta ler e escrever, questiono como é que se encaixa nas humanidades e normalmente obtenho uma resposta evasiva, como se não fosse problema, tendo eu perfeita consciência de que não é bem assim, e que é grave. Mais tarde, já no 12º ano, quando o tempo começa a escassear, aí começam a pensar melhor no que irão fazer. Costumo aconselhar que deverão seguir aquilo que gostariam de estudar, pois é meio caminho andado, porque por obrigação não funciona da mesma maneira.
OA: Quanto ao programa da disciplina de História A, acredita que o programa lecionado é capaz de dar uma preparação ao nível que o ensino superior exige?
MJL: O programa sim, porque é bastante abrangente. Permite uma visão muito diversificada [da história], desde a antiguidade, como a importância do direito romano, até ao programa do 12º ano, que é interessantíssimo para quem está a pensar em política, relações internacionais, sociologia. Depende muito de cada um, se estão abertos ao conhecimento, ao trabalho autónomo e ao espírito crítico, ou não. Podem-se fechar na ideia errada de que memorizar é suficiente e de que ler o essencial chega. E se se fecham à leitura, e não desenvolvem pensamento crítico, só o programa não pode ajudar.
OA: Pela estatística, regista-se uma maior taxa desemprego após uma licenciatura e/ou mestrado nos cursos que advêm da área das línguas e humanidades. Qual a sua perspetiva para o futuro na área?
MJL: A minha perspetiva para o futuro é abrangente, não só a nível das línguas e humanidades, mas a qualquer nível. Antigamente as pessoas tiravam um curso e sabiam minimamente que iam trabalhar naquela área. Hoje em dia não é assim. Por isso, como ainda há pouco dizia, primeiro estudar aquilo que queremos aprender, sem esquecer que é necessário pensar nas oportunidades de trabalho, mas fundamentalmente tirar um curso para aprofundar determinados conhecimentos. Se tivermos acesso ao estudo somos pessoas muito diferentes, e vemos a vida de outra maneira. Depois, se tivermos uma visão mais aberta, conseguimos perceber que, hoje em dia, não existe uma profissão para a vida toda, e que podemos ter de mudar de profissão mais que uma vez, e adaptarmo-nos a coisas diferentes. Quem estuda também tem de estar mais aberto a oportunidades de estudo ou de trabalho fora do país, se assim for necessário, dado que o nosso país é extremamente pequeno, em todos os aspetos. Só desta maneira não nos escandalizaremos caso não consigamos trabalho naquilo que queremos exatamente.
OA: Considera que o ensino, neste momento, desvaloriza a área das humanidades?
MJL: Não diria o ensino. Acho, sim, que a sociedade desvaloriza a área das humanidades porque não a entende, ao contrário da ideia, que poderia parecer óbvia, de que a matemática é que é complicada. Quando se fala em matemática toda a gente sabe o que é, veem-na como algo complicadíssimo, e que só alguns estão ao nível de a entender. Dentro das humanidades, acho que só quem tem a oportunidade de as estudar é que percebe o seu valor. Quanto a História, por exemplo, que é mais fácil para mim de abordar, sinto que as pessoas em geral, por estudarem história quando ainda são muito novas, ficam com ideias muito erradas, como a de que exige muita memorização. Como não têm a noção de que história nos dá uma visão diferente do mundo, ou que nos permite ser cidadãos diferentes, ou mesmo muito mais tolerantes, não percebem a sua importância. Caso tivessem esta noção, não achariam que se estuda história só pelo saber, mas sim porque nos permite ser pessoas diferentes.
OA: Existem cursos superiores cujos índices de desemprego ultrapassam os 20% em algumas universidades do país, e a norma é que estes sejam cursos provenientes das humanidades. Por outro lado, os cursos que apresentam menor taxa de desemprego são todos relacionados com a área das ciências. A seu ver, há algo que se possa fazer de forma apaziguar esta discrepância?
MJL: Talvez a nível político ou social, não só para as humanidades, mas algo mais abrangente. Porque a nível profissional, mais concretamente aqueles que detêm empresas, têm uma visão muito errada daquilo que deve ser. O facto de preferirem constantemente pessoas a quem lhes é possível pagar menos, para mim é uma visão completamente absurda, pois consequentemente, essas a quem se paga menos, também são menos qualificadas. A minha teoria sobre a questão das humanidades, é que estas são úteis para as mais variadas profissões. Em qualquer tipo de empresa, mesmo aqui no Algarve a nível de turismo, seja a nível da hotelaria ou outro qualquer, se as pessoas forem da área das humanidades, se calhar são muito melhores a nível de gestão pessoal, do que qualquer outra pessoa fora desta área. A questão é valorizar as pessoas que estudam, pois serão muito melhores profissionais, isso é que é importante. Enquanto se continuarem a pensar que compensa pagar menos, ou preferir alguém só porque é amigo do amigo, vai continuar tudo a correr mal. Estão a pôr de lado pessoas mais capazes.
OA: Consegue ainda assim proferir algumas palavras de ânimo para aqueles que ambicionem estudar e ser bem-sucedidos nesta área?
MJL: (Risos) Claro que sim. Vou voltar à conversa de há bocadinho, de primeiramente seguir aquilo que gostem, pois vão ser melhores em todos os aspetos. Mais felizes, porque ficarão com uma visão diferente do mundo, e com mais conhecimentos. Depois, o ânimo passa pela pessoa se mentalizar que não tem de encontrar imediatamente aquilo que ambiciona, até porque aquilo que se ambiciona hoje poderá não ser o que se ambiciona amanhã. À medida que se estuda, vão-se descobrindo novas coisas e despertando novos gostos. E, nessa perspetiva, há que ter muita abertura para novas oportunidades, e nunca pensar que aquilo que se estudou foi tempo perdido, porque há sempre alguma coisa que se ganha, quer se aplique no imediato ou mais tarde. Grande abertura também, não só em termos de profissão, mas também em termos de espaço. Nada mais me incomoda do que pessoas do Algarve que não se conseguem ver num outro lugar que não o Algarve, por exemplo. Tem que haver abertura e capacidade de adaptação, porque se se fecham ao seu mundinho, será sempre redutor.
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