Os dois V da alimentação

A alimentação é feita de escolhas e são cada vez mais as alternativas à disposição de todos. Ainda assim, os veganos e os vegetarianos continuam a ser vistos pela sociedade com algum preconceito devido às opções alimentares que tomam. Quem adopta uma alimentação deste género apresenta razões para o fazer, muitas das vezes relacionadas com o impacto ambiental causado pela produção animal.
Adriana Assunção

Vegano vs vegetariano

«O vegetariano come alguns produtos de origem animal como os ovos e os laticínios. Já o vegan, na sua alimentação, não consome nenhum produto de origem animal, como também exclui produtos e roupas que provêm de animais». É assim que Beatriz Rocha, vegetariana há dois anos, diferencia as duas opções alimentares, que são, no fundo, também opções de vida. Embora siga uma alimentação que apenas exclui o consumo de carne, Beatriz revela que o processo lógico para quem toma esta opção alimentar é, passado algum tempo, fazer a transição do vegetarianismo para o veganismo.

Stefanie Pereira, vegana faz pouco tempo, defende que esta escolha passa por  «não comer absolutamente nada que tenha origem animal», mas também por não consumir produtos de empresas que realizam testes em animais e não frequentar sítios em que os animais são usados para entretenimento, como os circos ou as touradas.

Segundo Maria Palma Mateus, nutricionista de profissão e diretora da Escola Superior de Saúde de Faro, «o conceito de vegetarianismo representa um conjunto de diferentes modalidades». Estas modalidades podem ser distinguidas em ovolactovegetariano «que consiste na ingestão de alimentos de origem vegetal aos quais se juntam ovos e laticínios», ovovegetariano, que aos alimentos de origem vegetal acrescenta apenas os ovos, e lactovegetariano, que é semelhante ao anterior com a diferença de substituir os ovos apenas por laticínios, explica a professora.

«Depois há ainda outras modalidades mais radicais que cabem dentro dos vegan, por exemplo os frutíferos que só consomem frutos e os crudívoros que só consomem alimentos de origem vegetal crus» explicita Maria Palma Mateus. De acordo com a nutricionista, «apenas os vegan ou vegetarianos estritos consomem, unicamente, alimentos de origem vegetal, excluindo todos os alimentos de origem animal».


O conceito de alimentação raw food, outra alternativa que tem conhecido muita divulgação, está próximo da dieta dos crudívoros. A alimentação tem por base os vegetais, que não são processados nem cozinhados acima dos 42º C, explica-se na página web de divulgação de Anabela Correia Raw Experience. O objetivo  é conservar as enzimas e propriedades metabólicas dos alimentos.
Fonte: https://morguefile.com/

Comunidade vegana 

Embora não existam dados estatísticos sobre os veganos em Portugal, um estudo citado pelo Diário de Notícias revelava que a população que opta pelo veganismo em Portugal tem vindo a aumentar. Em 2013 já eram cinco mil os portugueses que, de acordo com o diário, adotavam este estilo de vida e celebravam o Dia Mundial do Veganismo, convencionado a 1 de Novembro, para além dos cerca de 30 mil vegetarianos registados no mesmo estudo. No mesmo jornal, Orlando Figueiredo, presidente da Associação Vegetariana Portuguesa, reconhecia que «há muito trabalho a fazer na sua divulgação» e assinalava o desenvolvimento de uma parceria entre a associação e a restauração com o propósito de criar menus especificamente veganos, uma vez que as opções vegetarianas já são relativamente fáceis de encontrar. Quatro anos depois, a opção ainda não é fácil de manter, sobretudo para quem tem de comer fora. «Embora hoje em dia seja mais fácil encontrar uma ou duas opções vegetarianas, nalguns restaurantes, não é muito fácil manter essa alimentação fora de casa», afirma Stefanie Pereira. Partilhando as dificuldades, Beatriz Rocha defende que «na maior parte dos sítios a alimentação é toda à base de carnes, especialmente se for ao centro comercial», onde não há «muitas escolhas sem ser saladas».

Riscos nutricionais

Embora esta alimentação aparente ser benéfica para o ser humano, existem determinados aspectos a ter em consideração, nomeadamente a faixa etária. Esta é uma opção alimentar que deve ser tomada de uma forma consciente. Uma vez que as crianças não possuem discernimento para perceber se é correto ou não seguir esta alimentação, são os pais que devem ter esse cuidado.

Maria Palma Mateus refere que «esta forma de alimentação é totalmente desaconselhada em crianças até um ano de idade, e em idades acima aconselha-se a inclusão de ovos e laticínios». A nutricionista alerta ainda para a possibilidade de, nas «modalidades mais radicais como os frutíferos e os crudívoros», surgirem «algumas deficiências proteicas, vitamínicas e minerais», sobretudo nos crudívoros, pois «muitos dos alimentos de origem vegetal contêm algumas substâncias denominadas de anti nutrientes» que não são inibidos pelo processo de cozedura e podem interferir «na absorção intestinal de outros nutrientes».

Relativamente às modalidades mais comuns do vegetarianismo, existem malefícios nutricionais «se os indivíduos começarem este tipo de alimentação sem o acompanhamento de um nutricionista, uma vez que há combinações de alimentos que têm de ser feitas para que não surjam deficiências nutricionais», explica a professora. Ainda assim, «quando bem feito e acompanhado por um nutricionista pode-se conseguir que seja uma forma de alimentação equilibrada», afirma a especialista.

Para a diretora da Escola Superior de Saúde de Faro, há ainda um grupo que deve ter especial atenção na adesão à dieta vegetariana: «no caso das grávidas, se não eram vegetarianas antes da gravidez, não é nesta fase da sua vida que devem começar a sê-lo». Caso já o fossem antes da gravidez, é aconselhável «incluírem lacticínios e ovos na sua alimentação e é muito importante serem acompanhadas por um nutricionista, para além do acompanhamento médico», aponta.

Segundo a Comissão de Nutrição da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), após o nascimento da criança e até aos seus primeiros seis meses de vida, é necessário proceder, exclusivamente, ao aleitamento. «Durante este período, as mães vegans devem ter o cuidado de usar suplementos ou alimentos fortificados para suprirem a necessidade de alguns nutrientes», explica-se no Observador. Há que ter sempre em linha de conta que, quer no veganismo quer no vegetarianismo, é fundamental «procurar um nutricionista para o aconselhar», adverte Maria Palma Mateus.


Impacto Ambiental

Os motivos que influenciam uma pessoa a adoptar um um estilo de vida e alimentação diferente são muito distintos. Stefanie Pereira optou pelo veganismo «porque sou uma grande defensora dos animais, mas acima de tudo porque me sinto bem assim e não me faz diferença nenhuma não comer proteína animal». Já Beatriz Rocha relembra que «andava a dar as mudanças climáticas, sendo que um dos maiores causadores é a indústria da carne». Esta percepção, aliada ao conhecimento que adquiriu acerca do vegetarianismo, fez com que repensasse as suas escolhas alimentares.

Uma das principais preocupações morais das comunidades vegan e  vegetariana diz respeito, precisamente, à indústria responsável pela produção de carne. Esta é uma das áreas de produção que mais água consome até obter o produto final. Uma vez que as comunidades em questão defendem a preservação ambiental, é lógico associar esta indústria à destruição do planeta.

De acordo com um conhecido relatório publicado pela ONU em 2006, a pecuária, principalmente a produção de carne bovina, é a indústria que mais contribui para os problemas ambientais da actualidade. Desses problemas sobressaem três: a desflorestação, a poluição e o esgotamento da água. Embora a água seja um recurso renovável, apenas a potável é destinada ao consumo humano e essa é finita. Este gasto exagerado de água contribui para o aumento da pegada hídrica do país que, como se pode ler no jornal Público, se define como sendo «o volume total de água usado globalmente para produzir os bens e serviços consumidos pelos seus habitantes».

Portugal não apresenta uma imagem propriamente favorável no que respeita à pegada hídrica. Este país ocupa a sexta posição, numa lista de 140 países, com uma das pegadas hídricas mais elevadas por habitante, de acordo com um relatório do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Esta situação, como já foi referida anteriormente, deriva da falta de eficiência do sector agrícola português.

Perante estes dados, é possível concluir que os hábitos alimentares relativos à carne em Portugal devem de começar a mudar. Não quer isto dizer que a população deixe de comer carne por completo, mas o simples facto de passar a consumir mais carnes brancas, como o frango e o peru, ao invés de recorrer ao consumo de carnes bovinas ou suínas, vai contribuir significativamente na correcção da pegada hídrica actual de Portugal.

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