Manuel Correia: “Jornalista não é propriamente uma profissão para medrosos”

Se os grandes órgãos de comunicação social enfrentam problemas graves, não são menores as dificuldades com que lutam os pequenos jornais regionais, que vão sobrevivendo graças à carolice de alguns. A Planície, um quinzenário que se publica na cidade de Moura, é um exemplo desta realidade. Manuel Correia tem oitenta anos e é o diretor deste jornal.
Madalena Silva e Eunice Silva

Fundado em 1981, o jornal A Planície vem resistindo estoicamente a todas as adversidades e hoje, com uma tiragem de 3.000 exemplares, impõe-se como elo de ligação entre os mourenses radicados em todos os cantos do mundo.

A Planície é um dos jornais regionais que lutam pela sobrevivência
Manuel Correia começa por contar que "o gosto pela escrita despontou naturalmente. Muito cedo, ainda na escola primária, já eu escrevia peças de teatro que representava com os meus amigos, onde quer que calhava, nas nossas brincadeiras. Portanto quase se pode dizer que nasceu comigo”.

Com uma carreira profissional sem qualquer afinidade com a escrita, explica porque decidiu fundar um jornal: "Em primeiro lugar, o gosto de comunicar e depois porque entendo que na vida não devemos manter uma atitude passiva, como se estivéssemos a assistir a um filme. Devemos de uma forma ou outra intervir e contribuir para o progresso da região onde nascemos”.

Manuel Correia não disfarça o prazer que sente em falar de comunicação. “Escrevo porque gosto, mas mais ainda porque me apercebo da responsabilidade que tomei em manter um jornal e garantir a sua publicação. Digamos que isto foi como uma bola de neve”, confessa.

Falando da antiga profissão de chefe de Estação dos CTT, lembra que não fazia parte dos seus planos. “Não foi a minha profissão escolhida. Estava bem longe de imaginar, que após a reforma viria a dirigir um jornal. Após o antigo 2.º ciclo liceal, tive de me fazer à vida. Se pudesse escolher, claro, que seria jornalista. Mas a vida não é o que queremos”, confessa.

“Mas com vontade, acabamos por alcançar os nossos objetivos. Nas horas vagas em casa escrevia", acrescenta, com um sorriso.

Vem agora à conversa o inconveniente das terras pequenas, de fronteiras limitadas, onde todos se conhecem, das suscetibilidades feridas por um ou outro comentário.“Ao princípio incomodava-me e até me provocou alguns dissabores. Agora o que me interessa é estar bem com a minha consciência. Aliás esse vai ser um dos vários obstáculos, que irão enfrentar nas vossas carreiras. Jornalista não é propriamente uma profissão para medrosos”, observa prontamente.

Manuel Correia é fundador e dirige atualmente o quinzenário alentejano A Planície
Vai longo o seu trajeto na vida. O seu rosto demonstra algum cansaço, no entanto, talvez como reza o ditado popular, quem corre por gosta não se cansa. Fala com entusiamo e faz-nos perguntas sobre o curso que frequentamos na universidade. Em tom de brincadeira lembramos-lhe que, como entrevistadoras, quem faz perguntas somos nós. Manuel Correia sorri, divertido: “Ai meninas, se eu tivesse vinte anos!”.

Aproveitamos a deixa para perguntar se repetiria os mesmos passos. Para um momento para refletir e: “Não. Decididamente não. Voltar atrás para quê? Vivi a minha época. Procurei vivê-la da melhor forma. Agora o que importa é reconciliar-me com e tudo e com todos. Se me sinto realizado? Se com isso me querem perguntar se realizei todas as tarefas a que me propus, claro que não. Algumas coisas ficam por fazer. Há sempre sonhos que ficam por realizar”.

Apesar de tudo, Manuel Correia dá-se por feliz: “Fundei este jornal, esta rádio, acabei por fazer aquilo que gostaria de ter feito, portanto não me posso queixar".

Já no fim da conversa, faz questão de nos mostrar a última edição de A Planície, com o mesmo orgulho que um pai sentiria por um filho. Olhamos para o rosto sulcado de rugas. Recua no tempo. Regressa ao dia, em que ele e os seus amigos abriram a encomenda que trazia os jornais, expedidos pela tipografia Editorial Franciscana em Braga. Os seus olhos brilham mais intensamente e ele volta a ser o jovem daquela manhã de 1 de Janeiro de 1981.


Biografia

Manuel Correia nasceu em Moura, no dia 9 de Novembro de 1937. Concluiu o 2.º ciclo liceal no Colégio Nun’Álvares em Tomar. É técnico dos CTT aposentado e publicou 2 livros: “Peripécias de Amor e “Sete Dias neste Mundo”.

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