"Preconceito imprestável"

Sara Gamito

O preconceito é uma ideia preconcebida, geralmente manifestada de forma discriminatória perante culturas, lugares, pessoas ou gostos considerados diferentes dos comuns.

A sexualidade é, ainda, um dos principais motivos de preconceito em Portugal. Historicamente, a ideologia veiculada pela Igreja Católica, que caracteriza a sexualidade como um ato destinado exclusivamente à procriação, tem tido influência na forma de a considerar socialmente no País. A visão moralista da sexualidade manteve-se até finais do século XX, apesar da descriminalização que entretanto ocorre até aos dias de hoje. Nos últimos anos, a sociedade portuguesa tem vindo a reduzir progressivamente a discriminação com base na orientação sexual, tanto a nível social como legal. Pelo menos no papel.

Em 2010 a Assembleia da República legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tornando assim Portugal o sexto país na Europa e o oitavo no mundo a legalizar o casamento homossexual. Cinco anos mais tarde, a adoção plena por casais do mesmo sexo foi também legalizada, passando assim Portugal a ser o 24.º país do mundo a tornar oficial esta legalização.

Uma dimensão tão íntima da vida como a sexualidade tem sido, desde sempre, vista como algo condenável e motivo de discriminação nas várias faixas etárias, muito embora, entre os jovens, os diversos perfis e opções sexuais sejam cada vez mais aceites.  Alexandra é uma rapariga de 20 anos que vive a sua vida sem compreender a razão para tais distinções: “sou uma pessoa como todas as outras, sempre achei que os gostos pessoais não eram discutíveis.”. Para a jovem, “não deveriam existir rótulos sociais num tema tão espontâneo, rótulos são formas de agrupar a população, desconsiderando a individualidade de cada um”. Acerca da ligação fácil que, quanto a si, se estabelece entre o corte de cabelo ou modo de vestir e a preferência sexual da pessoa, Alexandra diz que “se cortar o cabelo e usar umas calças de fato de treino já me achariam lésbica por isso, rótulos, rótulos e mais rótulos. Como se alguém conseguisse ver o que sinto ao olhar para uns bocados de tecido ou por ter mais ou menos cabelo!”. Para Alexandra, a religião é uma das principais causas do preconceito existente no mundo: "chego a ter pena das mentalidades retrógradas que não aceitam a felicidade dos outros”.

Alexandra é bissexual e assume abertamente sua posição em relação às suas opções: “lá por ser bissexual não significa que tenha obrigatoriamente interesse em todas as pessoas do mesmo sexo que eu! Logicamente isso não acontece, a amizade é igual na minha vida como na vida dos outros, tal como uma rapariga heterossexual não tem interesse por todos os rapazes existentes no planeta.” 

A família é um aspeto fulcral na aceitação e felicidade pessoal. “Desde que tive apoio em casa, os outros passaram a ser indiferentes” conta Miguel, um rapaz de 17 anos que desde cedo percebeu que não se identificava com a maioria dos colegas da sua idade quando se tratava de raparigas: “nunca senti o mesmo que eles, cheguei a pensar que não era de facto normal. Quando decidi contar aos meus pais pensei que até sem casa ia ficar”. Contrariamente ao que pensou, os pais de Miguel permanecem hoje ao seu lado com o maior orgulho no filho: “eles compreenderam que não se escolhe, nasce connosco". 

Para além dos estereótipos, as diferenças entre heterossexuais e homossexuais não existem verdadeiramente. “Cada um é como é, a sociedade vai acabar por criticar assuntos realmente importantes e de interesse coletivo, algo sobre o país e não sobre a sexualidade dos outros”, afirma, esperançoso, Miguel. O mundo em que vivemos tem vindo a transformar-se e transformar-se-á continuamente. O que foi criticado ontem é a banalidade de hoje e o que é criticado agora será certamente compreendido no futuro. “Espero que todos sejam verdadeiramente felizes e autênticos. Se todos fizermos isso, não existirá espaço para condenações descontextualizadas. O amor não tem limites e enquanto não tiver, todos seremos livres para nos aceitarmos a nós próprios e a todos os outros”, reflete Miguel. “Escolhi o caminho mais difícil e sou recompensado todos os dias por isso”, afirma.

Foto: Associated Press*
Apesar de ser uma característica estritamente pessoal, a homossexualidade vai sendo correntemente tema de debate público, tantas vezes pelas piores razões. Na vida daqueles que convivem com o preconceito, a luta é mais ou menos constante. Para Miguel,“é como gostar do Inverno, muitos preferem o Verão e daí?”. Perante os desafios da vida, o jovem “nunca me sentirei envergonhado da pessoa que sou por ter uma preferência diferente, isso faz de mim especial, não doente. Sou feliz todos os dias e desejo o mesmo a todos! O preconceito é imprestável, eu sorrio e orgulho-me de quem sou.”

*Obtida em http://www.staradvertiser.com/breaking-news/vigil-scheduled-in-honolulu-following-orlando-shooting/

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