Análise | Lígia Oliveira
O serviço de mensagens instantâneas WhatsApp parece ter tido um bom comportamento. Após a ordem de bloqueio de 72 horas, expedida pelo juiz estadual Marcel Montalvão, o aplicativo cumpriu apenas um terço da pena e volta a funcionar no Brasil.
Na noite de segunda-feira, dia 2, duas horas da tarde no Brasil, 100 milhões de brasileiros se viram obrigados a voltar a utilizar as arcaicas mensagens instantâneas de suas operadoras. Isto ocorreu porque, por determinação judicial, os usuários do WhatsApp não conseguiam receber nem mandar mensagens pelo aplicativo.
A novela entre a justiça brasileira e o serviço de mensagens instantâneas se arrasta desde o ano passado, quando um juiz de São Paulo ordenou que as empresas de telefonia móvel impedissem a conexão com o aplicativo por 48 horas, em represália ao WhatsApp por ter se recusado a colaborar com uma investigação criminal. Na época, o aplicativo ficou inacessível por 12 horas e voltou a funcionar por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Neste ano, a ordem partiu do estado de Sergipe. Em primeira instância, foi estabelecido um bloqueio de três dias em todo o país e, depois de apenas um terço do cumprimento da determinação, o WhatsApp entrou com recurso e voltou a funcionar normalmente.
Em um primeiro momento, a ordem pode parecer apenas um incomodo para aqueles que não conseguem ficar sem seus aparelhos eletrônicos, mas, muito além de uma simples restrição, a súbita decisão do juiz e a execução imediata da pena é um reflexo da força institucional dos três poderes no Brasil e, ao mesmo tempo, é uma exposição de suas fraquezas.
Na contramão da tendência global em proteger as informações privadas na Internet, a Justiça brasileira se mostra incansável em tentar apelar pela divulgação de dados sigilosos. Em um cenário político que expõe um Congresso cada vez mais conservador e a jovem Democracia sendo posta a prova, o poder de um único juiz de primeira instância em limitar o acesso a rede em todo o país deve ser analisado com cautela.
Não é a primeira vez que vemos casos de juízes que parecem estar acima da lei. No Rio de Janeiro, em 2013, um desembargador processou uma agente de trânsito que o multou por dirigir bêbado. Na sentença, José Carlos Paes, relator do caso no Tribunal de Justiça do Rio, se sentiu ofendido por a agente ter afirmado que ele seria um juiz e não Deus. Casos de abusos como este e o bloqueio de um aplicativo de dimensão mundial mostra a força do nosso poder judiciário, que nem sempre é um agente que atue em prol da população.
Na Câmara dos Deputados a história se repete. O atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), ganhou notoriedade ao utilizar diversos recursos e manobras regimentais para alcançar seus objetivos. Na última votação no plenário, que determinava a criação da Comissão da Mulher, a decisão da maioria foi contrária a criação da comissão. Não satisfeito com o resultado, o presidente decidiu voltar a votação que acabou terminando com o parecer favorável.
O bloqueio não apenas nos mostra como nosso poderes são concentrados e ilimitados como também são seletivos. Em Portugal, o relatório feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), divulgado no dia 15 de março, apontou que a duração média dos processos judiciais em primeira instância em Portugal é de 425 dias. No Brasil, dados do Relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontam que a taxa de congestionamento do Judiciário, em 2013, foi de 70,9%, ou seja, de cada 100 processos que tramitaram na Justiça no período, aproximadamente 29 foram baixados. Em última instância, segundo o Supremo Tribunal Federal, a demora para julgar processos, aqueles que ferem a constituição brasileira, ultrapassam cinco anos. No caso “Juizado de Sergipe versus WhatsApp” a determinação foi cumprida em menos de 24 horas e o recurso reclamado pela empresa foi julgado em menos de 48 horas. O que mostra que a justiça apenas tarda quando o resultado não lhe interessa.
A democracia presidencialista nos propõe que os três poderes sejam reguladores um dos outros, e a autonomia do judiciário é um grande ganho para que as investigações ocorram sem intervenções de possíveis atos de corrupção. Mas, um simples bloqueio de um aplicativo de celular nos mostra que nas guerras entre os três poderes e as instituições privadas, quem perde é o povo brasileiro.
O serviço de mensagens instantâneas WhatsApp parece ter tido um bom comportamento. Após a ordem de bloqueio de 72 horas, expedida pelo juiz estadual Marcel Montalvão, o aplicativo cumpriu apenas um terço da pena e volta a funcionar no Brasil.
Na noite de segunda-feira, dia 2, duas horas da tarde no Brasil, 100 milhões de brasileiros se viram obrigados a voltar a utilizar as arcaicas mensagens instantâneas de suas operadoras. Isto ocorreu porque, por determinação judicial, os usuários do WhatsApp não conseguiam receber nem mandar mensagens pelo aplicativo.
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100 milhões de brasileiros ficaram sem acesso à aplicação de troca instantânea de mensagens durante um dia |
A novela entre a justiça brasileira e o serviço de mensagens instantâneas se arrasta desde o ano passado, quando um juiz de São Paulo ordenou que as empresas de telefonia móvel impedissem a conexão com o aplicativo por 48 horas, em represália ao WhatsApp por ter se recusado a colaborar com uma investigação criminal. Na época, o aplicativo ficou inacessível por 12 horas e voltou a funcionar por decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Neste ano, a ordem partiu do estado de Sergipe. Em primeira instância, foi estabelecido um bloqueio de três dias em todo o país e, depois de apenas um terço do cumprimento da determinação, o WhatsApp entrou com recurso e voltou a funcionar normalmente.
Em um primeiro momento, a ordem pode parecer apenas um incomodo para aqueles que não conseguem ficar sem seus aparelhos eletrônicos, mas, muito além de uma simples restrição, a súbita decisão do juiz e a execução imediata da pena é um reflexo da força institucional dos três poderes no Brasil e, ao mesmo tempo, é uma exposição de suas fraquezas.
Na contramão da tendência global em proteger as informações privadas na Internet, a Justiça brasileira se mostra incansável em tentar apelar pela divulgação de dados sigilosos. Em um cenário político que expõe um Congresso cada vez mais conservador e a jovem Democracia sendo posta a prova, o poder de um único juiz de primeira instância em limitar o acesso a rede em todo o país deve ser analisado com cautela.
Não é a primeira vez que vemos casos de juízes que parecem estar acima da lei. No Rio de Janeiro, em 2013, um desembargador processou uma agente de trânsito que o multou por dirigir bêbado. Na sentença, José Carlos Paes, relator do caso no Tribunal de Justiça do Rio, se sentiu ofendido por a agente ter afirmado que ele seria um juiz e não Deus. Casos de abusos como este e o bloqueio de um aplicativo de dimensão mundial mostra a força do nosso poder judiciário, que nem sempre é um agente que atue em prol da população.
Na Câmara dos Deputados a história se repete. O atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), ganhou notoriedade ao utilizar diversos recursos e manobras regimentais para alcançar seus objetivos. Na última votação no plenário, que determinava a criação da Comissão da Mulher, a decisão da maioria foi contrária a criação da comissão. Não satisfeito com o resultado, o presidente decidiu voltar a votação que acabou terminando com o parecer favorável.
O bloqueio não apenas nos mostra como nosso poderes são concentrados e ilimitados como também são seletivos. Em Portugal, o relatório feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), divulgado no dia 15 de março, apontou que a duração média dos processos judiciais em primeira instância em Portugal é de 425 dias. No Brasil, dados do Relatório Justiça em Números, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontam que a taxa de congestionamento do Judiciário, em 2013, foi de 70,9%, ou seja, de cada 100 processos que tramitaram na Justiça no período, aproximadamente 29 foram baixados. Em última instância, segundo o Supremo Tribunal Federal, a demora para julgar processos, aqueles que ferem a constituição brasileira, ultrapassam cinco anos. No caso “Juizado de Sergipe versus WhatsApp” a determinação foi cumprida em menos de 24 horas e o recurso reclamado pela empresa foi julgado em menos de 48 horas. O que mostra que a justiça apenas tarda quando o resultado não lhe interessa.
A democracia presidencialista nos propõe que os três poderes sejam reguladores um dos outros, e a autonomia do judiciário é um grande ganho para que as investigações ocorram sem intervenções de possíveis atos de corrupção. Mas, um simples bloqueio de um aplicativo de celular nos mostra que nas guerras entre os três poderes e as instituições privadas, quem perde é o povo brasileiro.
Lígia Oliveira é aluna da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e está em mobilidade na UAlg
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