Carlos Simões: “Os livros são ferramentas que nunca saem de moda”


A história de um homem de 75 anos que durante metade da sua vida se dedicou aos livros
Lígia Oliveira e Carolina Araújo


No alto do número 7 da rua Capitão José Vieira Branco, por meio das sombras dos carros e prédios, avista-se um senhor de roupas brancas com alguns livros nas mãos. Aos poucos, com muito cuidado, manuseia o pincel tirando cada vestígio de poeira das publicações. Do lado de fora da sua loja, o alfarrabista Carlos Simões é um convite a entrar no estabelecimento. Um pouco acanhado, mas com muita simpatia no olhar, abre-nos a porta da livraria de usados mais antiga da cidade de Faro.

A iluminação é fraca e o lugar parece um depósito de livros. No meio das cadeiras e estantes, ali se encontram exemplares que vão de obras que contam a história de Faro a contos de Eça de Queiroz. O cheiro dos livros usados toma conta do ambiente e a música clássica que toca, bem baixinho, ao fundo torna o lugar ainda mais acolhedor.

Desde criança, Carlos Simões já era apaixonado pela leitura. Ele conta que todas as noites, no colégio interno masculino, onde viveu por 17 anos, levava escondida consigo uma pequena lanterna e um livro para ler após o toque de recolher. “Quando dava oito horas da noite não tinha mais luz, tinha que pegar minha lanterna e tentar ler no escuro. É por isso que hoje eu uso óculos. Tenho miopia devido à fraca luminosidade”. Mesmo com o problema, afirma que não se arrepende. Os livros foram os que sempre o inspiraram, foram a sua companhia e até hoje continuam a sê-lo.

O início de tudo

Antes de se dedicar à sua maior paixão, Carlos Simões trabalhou com publicidade e depois fabricando máquinas de escrever. Foi em 1980 que percebeu que seu destino era trabalhar com livros usados. O alfarrabista inaugurou sua primeira loja na rua São Francisco Orta e permaneceu no endereço até meados dos anos 90, que foi quando percebeu a necessidade de encontrar um lugar maior para ser sua sede. Encerrou então as atividades na rua São Francisco e mudou-se para a rua do Alportel, num galpão com cerca de 80 metros quadrados.

O sucesso do empreendimento e a demanda de livros era tão grande que Carlos Simões se viu obrigado a abrir um armazém, que servia como apoio à matriz. Porém, os tempos mudaram e o negócio próspero do alfarrabista foi decaindo. Com as dificuldades económicas tornou-se inevitável o fecho da loja principal, e Carlos Simões permaneceu apenas com a segunda loja, que fica hoje no atual endereço. Quando questionado sobre o motivo de ter aberto a primeira livraria, afirma: "Porque é que comecei? É a paixão. Ao entrar aqui vê-se logo a paixão do proprietário. Gosto de livros”.

Nos corredores da livraria há livros que os leitores não encontram noutros lugares


A paixão

Enquanto Carlos Simões partilha a sua história, um cliente aparece e logo se nota a empolgação do alfarrabista. O comprador é jovem e está à procura de um livro que não encontra em lugar nenhum. Conhecendo cada canto da loja como a palma da sua mão, Carlos Simões vai prontamente à procura do exemplar, que não consegue localizar. O alfarrabista é persistente e anota todos os dados, do livro e do cliente, para que assim consiga encontrar a publicação. A paixão e o zelo são o segredo da longevidade da sua loja. “Eu fico muito feliz quando encontro o que o cliente procura”. Há até clientes que “não encontram o livro em lugar nenhum, e quando encontram na minha loja chegam a chorar”, conta, visivelmente orgulhoso.

Além de cuidar da loja, Carlos Simões também visita várias escolas secundárias farenses. Este ano, foi convidado para uma palestra na Escola Secundária Pinheiro e Rosa, onde falará sobre a essência da sua profissão. A felicidade é evidente quando, com o olhar carregado de entusiasmo, nos mostra os livros que vão ser apresentados durante as visitas. Um deles é As Crónicas de Viagens e Outras Engrenagens, de José António Pinheiro e Rosa, uma obra que, garante, merece ser mostrada e glorificada nas suas visitas às escolas. O outro é um livro técnico que explica os detalhes da profissão de alfarrabista.

Numa tentativa de promover a sua livraria, todos os dias de manhã, desde as 9h às 12h, de segunda a sexta-feira, o alfarrabista transporta os seus livros para a rua mais movimentada da cidade de Faro, onde os expõe, numa tentativa de despertar a curiosidade dos que passam por lá. A tradição já faz parte da rotina dos muitos conhecidos que passam para observar os exemplares ou apenas conversar com Carlos Simões.

Os problemas da profissão

De acordo com uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Plano Nacional de Leitura, projeto criado em 2008, cerca de 80% dos portugueses afirmam que a leitura é importante, porém apenas 44% deles afirma ter o hábito de ler. Para Carlos Simões, os hábitos de leitura estão cada vez mais degradados. De há 7 anos para cá, os problemas económicos e outras ofertas de distração têm causado a queda da venda de livros, aponta.

Este cenário faz com que Carlos Simões se sinta preocupado com seu negócio. O empresário confessa que não consegue encontrar solução para conseguir manter seu empreendimento e que a loja, que hoje mantém com tanto orgulho, pode acabar por ter o mesmo destino que a da rua do Alportel. “Talvez venha a encerrar isto. Há 2 ou 3 anos apareceram algumas pessoas interessadas [em manter a loja], mas naquela época eu não tinha interesse em vender. Hoje ninguém a quer’’, revela.

Mesmo com as perspetivas negativas para os comerciantes de livros, Carlos Simões acredita que o futuro é das grandes editoras. “As grandes editoras, Bertrand, Leyla, e Porto Editora, continuam a publicar livros. Se publicam é porque vendem. Os livros são ferramentas que nunca vão sair de moda”, afirma.

A livraria na rua


O fim... ou não

Mesmo se dedicando muito ao seu trabalho, o peso da idade parece ser um fator determinante para o encerramento das atividades. Já nos seus 75 anos, Carlos Simões acredita que o stress que leva para a casa e o desgaste já se tornaram prejudiciais à harmonia de seu lar. “É tempo de dar mais atenção a minha família e descansar”, confessa. Mas, mesmo que termine o seu trabalho como alfarrabista, Carlos Simões pretende manter-se ocupado com trabalhos voluntários. E quando a pergunta é se continuaria a trabalhar com livros, a resposta é imediata: “Claro! Porque não?”.

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