A vida no Semino. O monte alentejano onde vivem 8 pessoas

André Palma| Reportagem

O interior de Portugal vive cada vez mais sozinho. A migração para as zonas costeiras e para os centros económicos do país é uma realidade que deixa ao abandono centenas de casas pelo país fora. Aldeias e montes fantasma que são entregues à vegetação, à sorte e ao abandono de quantos ali nasceram. Segundo a Agência Espacial Europeia (AEE), através do projecto Desert Watch, Portugal é o terceiro país mais desertificado da Europa, ultrapassado apenas pela Turquia e Itália. O Governo diz-se sensibilizado para a problemática e no Verão de 2011 Álvaro Santos Pereira, então ministro da Economia, afirmou que "o Governo não tem soluções mágicas para o interior, nós precisamos de trabalhar com as populações do interior, com as empresas do interior, para tornarmos o interior mais atrativo para as pessoas que cá vivem e querem cá viver". Todos os anos, no interior do território português fecham-se escolas, centros de saúde, tribunais e outros serviços básicos para o funcionamento de um aglomerado populacional. Mas o problema vai muito para além dos aglomerados. No interior da freguesia de Santa Clara-a-Nova, no concelho de Almodôvar, existe um monte rodeado de vegetação onde habituam, atualmente, oito pessoas. A média de idades ronda os 70 anos. Com mais de um século de história, no Monte do Semino ainda há casas feitas em pedra que foram construídas no final do séc. XIX. Por elas passaram anos de monarquia, a implantação da república, uma ditadura longa, duas guerras mundiais e muitas outras histórias que estão hoje longe do nosso imaginário. Estão de pé porque quem ainda aqui resiste luta pela conservação da sua história. Lá no fundo há a certeza de que este será, daqui a uns anos, mais um monte a morrer no esquecimento.

“Há dias em que nem um carro se vê passar”

Ruben é o mais novo, tem 15 anos, e assume que por vezes “é chato” morar um meio tão isolado porque “queremos ver os nossos amigos e estão todos longe”. Para ir para a escola tem de acordar às seis da manhã porque a carrinha “faz a volta e chega aqui às seis e quarenta e cinco para chegar a horas à primeira aula”. Para o jovem o pior são as férias “que é quando fico mais tempo em casa e fico mais chateado”. No verão “costumo ir uns dias para o Algarve”, o que ajuda a não ficar tanto tempo sozinho. Sobre o futuro “não quero pensar muito ainda”, mas possivelmente “vai ser fora daqui”. As condições de vida não permitem a permanência dos mais jovens nestas regiões e no Semino o sentimento é partilhado pelos restantes sete habitantes. O dia-a-dia aqui é diferente do stress que se vive nas áreas urbanas. A calma reina do dia à noite e, como refere Mavilde, de 49 anos, “há dias em que nem um carro se vê passar”. Para a doméstica o dia começa ainda o sol espera por nascer: “às 6h da manhã já estou levantada e começamos por tratar dos animais” porque até ser dia “há muita coisa para fazer para aquecer”. “Vivo aqui há 29 anos e nunca vi isto com tão pouca gente”, desabafa enquanto prepara mais uma tarde de renda junto à porta de casa, ao lado das senhoras que partilham todos os dias um dos bens mais preciosos neste meio: a companhia. Os mais novos saem da zona porque “tem de fazer a vida deles”. E fica a certeza de que “só aguenta estar aqui quem já está habituado”. E é óbvio perceber porque é que que saem os jovens daqui. Assim que sai a questão, as respostas saltam peremptórias, porque a certeza e a vontade de conversar falam mais alto. Não há condições para os novos “fazerem vida num monte como este. Aqui só há velhos e eles não querem saber disto”.

Em 2040 podem ser menos 157 mil no interior

A realidade traz ao monte do Semino uma preocupação especial, por saberem que não há quem pegue no passado para o ir atualizando. Tudo vai morrer aqui. “É normal que se vão embora aqui não há nada” e, segundo um estudo realizado pela Universidade de Aveiro, esta problemática vai continuar a aumentar também devido à baixa natalidade e ao envelhecimento cada vez maior da população. Os investigadores da UA dizem que até 2040 o interior de Portugal pode perder 175 mil habitantes e Eduardo Castro, o responsável pelo estudo, garantiu ao Público que “se não houver fluxos migratórios, o interior ficará vazio”.  Mavilde dá o exemplo. No Semino “somos só oito e a maior parte são já muito velhos” e o óbvio parece estar cada vez mais próximo, porque “quando morrermos isto morre também”. Isabel é a mais velha, tem 87 anos, e recorda os temos difíceis que viveu. Nasceu ali e ali foi criada. Conhece a terra há tantos anos quantos tem de vida e “há quarenta anos com tanta criança até dava gosto sair à rua”. As dificuldades sociais e financeiras ainda assim não eram um problema de maior, porque “ficavam contentes com pouco”, apesar mesmo da “fome que se passava” em tempos em que uma sardinha era dividida por quantos estavam sentados à mesa. Hoje, embora já não se verifiquem estes problemas, a sociedade enfrenta dilemas graves que apesar das políticas criadas não sofrem alterações. O Alentejo apresenta, segundo o Instituto Nacional de Estatística, uma das mais altas concentrações de população idosa e os números tendem a subir a cada ano que passa.

“No Verão passámos semanas sem água canalizada”

A desertificação do interior tem muitas outras consequências ligadas à falta de desenvolvimento, como é o caso da saúde, da falta de cobertura para boas comunicações e até mesmo a carência na linha de estradas. No interior do concelho de Almodôvar só muito recentemente alguns montes receberam água canalizada nas melhores condições e ao monte do Semino esse serviço ainda não chegou. “Temos água canalizada mas no inverno há muitos problemas”. A qualidade da água fica comprometida e o fornecimento fica condicionado devido às grandes quantidades de água que levam consigo toxinas dos terrenos. No Verão o problema é maior quando as fluentes secam e as casas perdem o acesso à água canalizada e esse fornecimento fica reduzido para garantir a durabilidade de água potável. “Acontece quase todos os anos quando faz aqueles calores muito fortes”, diz Deolinda, outra das moradoras. Mavilde confirma sem interrupções que “no verão passamos semanas sem água canalizada”. Nessa altura também as preocupações com os incêndios aumentam devido à vegetação que rodeia o aglomerado habitacional. E, para além de todos esses problemas, a segurança é outra das preocupações para quem vive isolado e longe de qualquer ajuda no caso de emergência.

Visitas da GNR

É regular a visita de agentes da GNR, principalmente devido ao inicio de furtos por desconhecidos que se aproveitam da hospitalidade e da gentileza das gentes de maior idade. “Há uns anos que às vezes temos medo porque aparecem aí a dizer que são da segurança social e da caixa e que querem a nossa reforma e alguns aí já perderam muito dinheirinho”, conta-nos a “Ti Deolinda”, como é conhecida na terra. Por esse motivo a GNR criou brigadas para visitar os mais velhos e dar conselhos que nunca são de mais. “Por mais que nos digam, às vezes pode acontecer”. E o medo às vezes aparece “principalmente à noite quando estamos sozinhos”, porque há uma maior dificuldade no pedido de socorro. Viver um dia de cada vez e ir “sobrevivendo com o pouco que temos”, é este o lema numa terra onde apenas resta lutar pela subsistência que ainda existe, porque apesar das limitações físicas ainda se cultiva e trabalha a terra. O espírito de entreajuda é do mais impressionante. Todos são família. Os mais novos com os mais velhos. Vive-se do gado e da agricultura. Da força do corpo e da bravura dos tempos que já lá vão. Porque a história está lá e há muita estória para contar. A vida no Semino continua ao ritmo único do que fica Além Tejo. A vida corre a uma velocidade própria de quem já viveu quase tudo. E tudo volta ao normal: “Oh Ti Deolinda, o que vai fazer hoje para o jantar?”

Durante a tarde há tempo para colocar a conversa em dia

O centro de saúde mais próximo fica a cerca de 20 km de distância

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