25 de Abril: «regime servia os interesses de uma minoria»

Daniel Ernesto cumpriu serviço militar numa das regiões ultramarinas. A propósito da importante data para o país, recorda a censura e a guerra na ditatura portuguesa.
Joana Teixeira| Entrevista

O que simboliza para si o 25 de Abril?
O acabar com um regime ditatorial, e com uma guerra que ceifava a vida a muitos jovens, na tentativa de repor a liberdade e a igualdade de direitos. Porque o regime servia os interesses de uma minoria.

Como viveu esse dia? Que idade tinha?
Estava em Moçambique, no serviço militar (22 anos). O quartel entrou em “prevenção” e corria a notícia que tinha acontecido “um levantamento militar na Metrópole”. Mas só no dia 26 nos comunicaram em concreto o que se tinha passado.

Quando falamos acerca da revolução, quais os protagonistas de que imediatamente se recorda?
Todos os Capitães de Abril, com maior incidência em Salgueiro Maia e Otelo Saraiva de Carvalho, pela actuação mais mediática, mas também Zeca Afonso e Paulo de Carvalho pelas musicas que serviram de referência como senhas.

Antes desse dia, sentia os seus direitos individuais muito restringidos?
Estando num café a falar sobre a situação do país, com outros jovens colegas de Liceu, um senhor aproximou-se da nossa mesa e muito discretamente, “aconselhou-nos” a “tratar de assuntos para a nossa idade” um dos meus amigos insurgiu-se e ele identificou-se como sendo polícia. Não sei se “apenas” para assustar, mas surtiu efeito.

Alguma vez foi inquirido pela PIDE?
Eu nunca, mas o meu pai em Cabo Verde foi chamado a depor, por ter organizado um desfile de carros alegóricos, sob o tema “Mãe África”.

Sentia a acção da censura no dia-a-dia dos portugueses?
Sim. Em comentários que se ouviam sobre noticias nos jornais e televisão, e principalmente nos espectáculos de revista, onde era notória a “ginástica” dos argumentistas para ultrapassar essa mesma censura.

Que impacto teve a guerra colonial na sua vida?
Para além de interromper a minha situação profissional, confrontou-me com situações de morte, dor e injustiças.

No período pós-revolucionário, que aspectos sentiu que se tinham alterado? O que mudou na sua vida?
Alterou-se e muito o relacionamento e a convivência entre as pessoas, tanto na sua privacidade como nos locais de trabalho, incluindo as escolas. Levando muita gente a “demonstrar” o que era efectivamente o seu interior. Na minha vida, deu-me uma maior consciência social, em parte pelas funções que exerci de delegado sindical e membro de comissão de trabalhadores, e “amadureceu-me” como pessoa por toda a envolvência inerente á situação.

Considera que os valores morais e familiares se modificaram após a revolução? Para melhor ou para pior?
Considero que sim. Na maior parte dos casos para melhor, pela maior abertura que proporcionou no relacionamento entre pais e filhos, e entre gerações. Para pior, em casos de intransigência e prepotência, tanto da parte dos mais idosos como dos mais jovens.

Encontra alguma desvantagem no 25 de Abril?
A maior desvantagem foi a “ingenuidade” dos jovens oficiais, que se deixaram influenciar por patentes mais altas, provocando cisões no próprio grupo, que vieram a ter resultados negativos ao longo dos anos, sendo o facto mais visível o aproveitamento abusivo que os partidos políticos fizeram da palavra democracia para trair e deturpar todo o sentido dos ideais políticos e sociais dos Capitães de Abril. “Preço normal” a pagar pela liberdade, dirão alguns, mas, na minha óptica mais não foi que uma grande falta de escrúpulos e honestidade intelectual de alguns políticos.

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