25 de Abril: «Vivi com muita expectativa o surgimento de uma nova sociedade»

Matilde Costa é licenciada em História e docente reformada. Esteve debaixo de olho pela PIDE e acolheu com euforia a mudança do regime. 40 anos depois, considera que alguns valores fundamentais se perderam, mas continua a achar que Abril valeu a pena.
Joana Teixeira| Entrevista

O que simboliza para si o 25 de Abril?
A ideia imediata à sua pergunta é a ” liberdade”, porque foi o 25 de Abril que representou a queda do regime salazarista, que era um entrave à criatividade, à imaginação, à livre expressão do pensamento e com a qual vivi durante vinte e oito anos.

Como viveu esse dia? Que idade tinha?
Tinha 28 anos. Vivi com grande euforia, com o coração agitado até ter a certeza que o regime tinha caído como uma “maçã podre”.

Quando falamos acerca da revolução, quais os protagonistas de que imediatamente se recorda?
Otelo Saraiva de Carvalho porque foi o mentor e um dos principais executores deste grande projecto. Recordo-me de outras personagens fundamentais como Salgueiro Maia, Vasco Lourenço e tantos outros que fizeram parte deste projecto colectivo.

Antes desse dia, sentia os seus direitos individuais muito restringidos?
Sentia bastante restringidos porque pertencia a uma família anti-Salazarista que sofreu directamente com a censura do regime. Logo após a queda do regime, fiquei a saber pela leitura dos cadernos da Pide que a cerimónia do meu casamento estava descrita ao pormenor tal como em 1964, o funeral do meu irmão, que estivera preso na prisão de Caxias na greve estudantil de 1962.

Alguma vez foi inquirida ou presa pela PIDE?
Não fui directamente, mas para me proteger sempre tomei as devidas precauções.

Sentia a acção da censura no dia-a-dia dos portugueses?
Todos sentíamos, até no cinema, quando uma história não fazia sentido, eu percebia que havia cortes de cenas.

Que impacto teve a guerra colonial na sua vida?
Perdi alguns amigos na guerra e o facto de ter um namorado em idade militar constituía para mim uma permanente ansiedade e uma ameaça à minha vida privada. Parecia-me uma guerra muito injusta e infinita.

No período pós-revolucionário, que aspectos sentiu que se tinham alterado? O que mudou na sua vida?
Senti que estavam grandes mudanças a caminho e vivi com muita expectativa o surgimento de uma nova sociedade e a construção de uma verdadeira democracia.

Considera que os valores morais e familiares se modificaram após a revolução? Para melhor ou para pior?
Houve mudanças sem dúvida, houve liberalização de costumes e aceito que alguns valores que saíram para fora dos padrões tradicionais não eram os mais correctos. Por exemplo, algumas regras de respeito entre as pessoas foram excessivamente quebradas.

Considera que estão cumpridas as promessas de 25 de Abril?
Neste momento particular da vida nacional considero que o melhor das conquistas do 25 de Abril, a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, se perdeu. Direitos consignados na Constituição são desrespeitados constantemente. Resta-me dormir tranquila após poder ter criticado a vida política actual nesta entrevista, sabendo que nada me acontecerá por ter falado. A liberdade de expressão é praticamente o único valor que continua intocável, pelo que o 25 de Abril valeu a pena.

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